27.2.11

Cemitério de Agramonte


Durante o final do século XVIII, e o inicio do século XIX, uma verdadeira revolução varreu a Europa - e os locais habitados por europeus -, no que diz respeito à forma como a Morte era vista e gerida.

A maioria dos enterramentos eram feitos dentro das igrejas ou nos seus adros, causando graves problemas de saúde; ainda assim, e mesmo confrontados com a realidade do cheiro dos cadáveres em decomposição, que obrigavam as portas das igrejas a ficarem abertas todo o dia e toda a noite, os populares portugueses tentaram resistir valentemente à criação e utilização de cemitérios.
A situação foi de tal momo extrema que deu origem à conhecida revolução minhota da Maria da Fonte, que acabou por descer pelo país e mergulhá-lo em guerra civil, durante alguns meses.
A verdade é que, em 1835, os cemitérios públicos tornaram-se obrigatórios e único sitio possível para inumação.

Na verdade, Lisboa e Porto tinham já cemitérios públicos desde 1833, devido a uma terrível praga de cholera morbus que assolou essas cidades. Para além disso, e no caso específico da cidade do Porto, um cerco levado a cabo por tropas miguelistas causou um situação de salubridade extrema.
Foi necessário encontrar uma forma de proteger os vivos dos miasmas exalados pelos corpos em putrefacção. Foi criado o cemitério da Lapa (privado) e o do Prado do Repouso.

Em 1855, um novo surto de cholera morbus obriga ao fecho dos cemitérios privados das diversas ordens religiosas da cidade e à criação de mais um cemitério público. Agramonte é um cemitério "improvisado", criado para inumação de coléricos e tendo uma capela construida rapidamente com madeira.
A população, tendo possibilidade de escolha, elege o cemitério do Prado do Repouso como preferencial construindo belos monumentos e deixando Agramonte estagnado durante algum tempo.
As ordens religiosas, obedecendo a preceitos internos, procuram forma de manter espaços de enterramento individualizados e conseguem, no processo complexo, começar a adquirir amplos talhões nos cemitérios públicos.

Ao perceber o estigma que pairava sobre o cemitério de Agramonte, este é reestruturado em 1869, numa tentativa de torná-lo mais atractivo.
Entretanto, o cemitério da Lapa, construído num terreno pequeno, e apertado por edificações diversas que o impediam de ser alargado, deixa de ser opção para os mais ricos, ansiosos por construir monumentos faustosos, marcando para a posteridade a sua importância em vida. É necessário encontrar outros terrenos com capacidade de construção e, apesar do Prado do Repouso ser o inicialmente eleito como novo lugar para os defuntos da elite portuense, o prestigio das ordens com talhões privados em Agramonte (S. Francisco, Trindade e Carmo) torna-o , no final do século XIX, no espaço mais desejado como ultima morada.

A estatuária é rica e variada, sendo possivel encontrar nele algumas das mais originais peças cemiteriais existentes no nosso país.

É ainda de notar que uma das grandes diferenças entre os cemitérios do Norte e do Sul, para além de nos primeiros predominarem as cruzes e outras simbologias católica, é o material utilizado na construção de mausoléus. Ao sul, o branco e liso da pedra calcária torna os cemitérios locais cheios de luz; no norte, a utilização de granito, áspero e cinzento, torna-os mais sombrios e solenes, emprestando-lhes mais facilmente um ambiente de luto, muito adequado.

Como ponto de referência, o cemitério de Agramonte fica situado junto à rotunda da Boavista, um dos pontos nevrálgicos da cidade. Merece uma visita. Ou duas...

26.2.11

Quatro Lendas Urbanas do Século XVIII


To be buried while alive is, beyond question, the most terrific of these extremes which has ever fallen to the lot of mere mortality. That it has frequently, very frequently, so fallen will scarcely be denied by those who think. The boundaries which divide Life from Death are at best shadowy and vague. Who shall say where the one ends, and where the other begins? We know that there are diseases in which occur total cessations of all the apparent functions of vitality, and yet in which these cessations are merely suspensions, properly so called. They are only temporary pauses in the incomprehensible mechanism. A certain period elapses, and some unseen mysterious principle again sets in motion the magic pinions and the wizard wheels. The silver cord was not for ever loosed, nor the golden bowl irreparably broken. But where, meantime, was the soul?
Edgar Allan Poe, The Premature Burial

Apesar de Edgar Allan Poe ter sido um génio criativo com uma imaginação delirante não foi ele quem inventou o pavor humano de se ser enterrado vivo.
Escreveu sobre ele, é certo, e fê-lo repetidas vezes - sempre causando um arrepio na espinha dos leitores - mas antes já havia quem redigisse testamentos capazes de garantir que nenhum herdeiro apressado aproveitava um episódio de catalepsia ou coma para tomar posse da herança, enterrando vivos pais, tios e outros parentes.
Na Europa do século XVIII eram numerosas as histórias que sobre enterramentos prematuros: umas com finais felizes e outras nem por isso.
Estas histórias podem ser divididas em quatro grandes grupos, existindo algumas variações da matriz, em certos detalhes, mas não fugindo da linha principal:
  • A Dama do Anel;
  • Os Jovens Amantes;
  • O Monge Lascivo;
  • O Anatomista Descuidado;
Em quase todas é possível encontrar relatos onde são mencionadas pessoas reais, mas em que, de país para país, se mudam os protagonistas.


A Dama do Anel

Talvez a mais famosa e mais variada das quatro, esta lenda urbana consegue ser rastreada até à Alemanha, apesar de aparecerem versões em que ela se passa em Inglaterra, Irlanda, Suécia, etc.

Uma senhora rica, tendo falecido de forma repentina, é levada para a cripta da família, onde é depositada estando trajada com o seu mais belo vestido, embelezada pelas suas criadas, que lhe arranjaram os cabelos e lhe colocaram as jóias favoritas; entre elas, um sumptuoso e ostensivo anel.
As portas fecham-se, a noite cai e um sacristão ganancioso entra de mansinho para roubar as jóias do cadáver. Incapaz de retirar o anel do dedo inchado da senhora, o sacristão puxa de uma faca e tenta cortar o dedo para poder levar o anel.
A dor causada pelo rude golpe é tal que a mulher, não estando efectivamente morta, desperta do torpor profundo em que caíra e, dando um grito, senta-se no caixão.
Com o susto, acreditando que a ressurreição do cadáver é obra divina, o pecador sacristão cai morto no chão.
A mulher, assustada, envolta na sua mortalha faz o caminho de regresso a casa, sem perceber o que lhe aconteceu. Bate à porta e vê-se confrontada pelo marido e restante família que, julgando-a morta, pensa tratar-se de um fantasma, de um truque do demónio e recusa-se a franquear-lhe a porta e ceder-lhe entrada.


Os Jovens Amantes

Esta também é uma história que aparece relatada em diversas fontes, sempre apresentando o caso como real, enunciando até as famílias a que pertenciam os jovens amantes.

Impedida de casar por amor, obrigada pelos pais a casar com um nobre rico, mas velho, uma jovem donzela acaba por morrer de desgosto, sendo inumada na capela da família.
Durante a noite, o amante abandonado entra na capela para um último adeus e acaba por encontrar a sua amada ainda viva, acabada de acordar dentro do caixão.
Receosos de serem descobertos e perseguidos pelo noivo indesejado, os jovens amantes partem para outra cidade onde se apresentam com outro nome e podem assim viver em paz.
Alguns dias depois, ao visitar a capela, os pais e o noivo da jovem encontram o caixão aberto e vazio.


O Monge Lascivo

Uma das histórias mais elaboradas diz respeito a um monge necrófilo.

A caminho do convento, um jovem monge toma abrigo numa taberna e é confrontado com o luto profundo do estalajadeiro, que vela a jovem filha morta numa dos aposentos do estabelecimento.
Choroso, o taberneiro pede ao monge que reze pela alma da filha, deixando-o sozinho com o cadáver.
O monge, encantado com a beleza da rapariga, acaba por violar o cadáver, partindo apressadamente na manhã seguinte.
Antes de enterrarem a jovem, o pai percebe que esta ainda respira e pouco depois ela é reanimada. Mais tarde, sem ter conhecimento do que se passou com o monge, a jovem dá conta que espera uma criança.
Meses depois, o monge regressa à estalagem, onde encontra a rapariga viva e com um filho nos braços. Confessando ao estalajadeiro a sua indiscrição durante o velório, o monge acaba por abandonar o hábito e casar com a rapariga.


O Anatomista Descuidado

Apesar de inicialmente esta lenda estar associada a um anatomista em especial, o reputado Andreas Vesalius, rapidamente foi difundida, variando o anatomista e a nacionalidade da paciente.

Originalmente, conta-se que Vesalius foi consultado por uma paciente espanhola que lhe disse estar a sentir-se mal, apresentado um estranho quadro de sintomas. Antes que o médico fosse capaz de identificar a maleita e tentar curar a paciente, esta morreu. Intrigado, o anatomista serviu-se da sua reputação para convencer a família a permitir-lhe efectuar uma autópsia.
Rodeando a mesa de dissecação, toda a família foi surpreendida pelo coração batente do cadáver, percebendo assim que esta estava a ser autopsiada viva, e assistindo ainda, impotentes, aos últimos batimentos cardíacos e a grito lancinante que cortou o ar, antes da doente espanhola falecer definitivamente.

Este mito urbano assombrou os anatomistas do século XVIII e XIX que, apesar de preferirem sempre um corpo fresco, não pretendiam dissecar um tão fresco ao ponto de ainda estar vivo.

25.2.11

Tafofilia no Jornal Expresso

A tafofilia anda no ar; de tal forma que até já chegou ao jornal Expresso.

No passado dia 12 de Fevereiro, a revista Única - parte integrante do referido jornal - publicou um artigo intitulado de O Lugar do Morto onde apresenta uma lista dos Falecidos Famosos mais visitados.
  1. Jim Morrison - Cimetière du Père Lachaise (Paris, Ile-de-France Region, France);
  2. Anne Frank - Cenotáfio (vala comum) - Beth Olam Cemetery (Los Angeles, Los Angeles County, California, USA);
  3. John F. Kennedy - Arlington National Cemetery, (Arlington, Arlington County, Virginia, USA);
  4. Joseph Estaline - Kremlin (Moscovo, Rússia);
  5. Albert Einstein - Cenotário (cremado) - Institute for Advanced Study (Princeton, New Jersey, USA);
  6. Walt Disney - Forest Lawn Memorial Park (Glendale, Los Angeles County, California, USA);
  7. Martin Luther King - Martin Luther King, Jr. Center (Atlanta, Fulton County, Georgia, USA);
  8. Winston Churchil - St Martin-in-the-Fields Churchyard (London, Greater London, England);
  9. Harry Houdini - Machpelah Cemetery (Ridgewood, Queens County, New York, USA);
  10. Che Guevara - Guevara Mausoleum (Santa Clara, Villa Clara, Cuba);

23.2.11

Funeral Fantasma de Lyme Park

There, in the middle of the broad bright high-road — there, as if it had that moment sprung out of the earth or dropped from the heaven — stood the figure of a solitary Woman, dressed from head to foot in white garments, her face bent in grave inquiry on mine, her hand pointing to the dark cloud over London, as I faced her. (...)
It was then nearly one o'clock. All I could discern distinctly by the moonlight was a colourless, youthful face, meagre and sharp to look at about the cheeks and chin; large, grave, wistfully attentive eyes; nervous, uncertain lips; and light hair of a pale, brownish-yellow hue. There was nothing wild, nothing immodest in her manner: it was quiet and self-controlled, a little melancholy and a little touched by suspicion; not exactly the manner of a lady, and, at the same time, not the manner of a woman in the humblest rank of life.
Wilkie Collins, The Woman in White

É quase impossível falar de cemitérios, sepulturas e funerais sem nos cruzarmos com um ou outro fantasma.

Existe até uma categoria de histórias do "outro mundo" que acontecem em cemitérios, estão associadas a enterramentos ilegais e ocultação de cadáveres ou não são mais do que cortejos fúnebres espectrais.
E é esta categoria de histórias de fantasmas que tem algum interesse para os tafofilos, até porque muitos dos relatos fantasmagóricos estão relacionados com pessoas reais e as suas escolhas e limitações em vida e, desse modo, acabam por ser extremamente interessantes.

No condado de Cheshire, em Inglaterra, existe uma enorme e magnífica propriedade conhecida como Lyme Park.
Utilizada diversas vezes em filmes e séries de televisão (por exemplo, na produção da BBC de 1995 de Pride and Prejudice, Lyme Park é Pemberley, a residência de Mr. Darcy) a enorme mansão, cercada por belíssimos jardins e um parque para veados, foi construida no final do século XVI, tendo sofrido modificações substanciais durante o século XVIII.

A propriedade foi doada a Sir Thomas Danyers, em 1346, tendo ficado na posse de sua família até 1946, altura em que passou a pertencer ao National Trust, que, recentemente, a classificou em sexto lugar, na lista das propriedades históricas mais assombradas.

Durante parte do século XV, a propriedade de Lyme Park esteve na posse de Sir Piers Legh II.
Em 1415, na batalha de Agincourt, Sir Piers foi gravemente ferido, mas poupado da morte pelo seu extraordinário mastim, que se colocou sobre o corpo do dono e o protegeu durante horas, até este ser encontrado pelos companheiros de batalha. Em 1422, Sir Piers voltou a ser ferido, desta vez na batalha de Meux, e acabou por sucumbir na sequência desses ferimentos, em Paris.

O corpo foi enviado para Inglaterra, para ser entregue à esposa na residência de Lyme Park. Mas mais que a sua esposa, era Blanche, uma jovem e bonita camponesa, quem aguardava ansiosamente pelo regresso do cavaleiro. A morte do amante destroçou o coração da pobre rapariga, que foi impedida de comparecer aos rituais fúnebres levados a cabo pela família de Sir Piers.

Durante uma noite escura um enorme cortejo fúnebre medieval, negro e silencioso, cruzou a entrada principal de Lyme Park, envolto no rugido de uma tempestade. Atrás, afastada o suficiente para não ser notada ou repreendida, uma figura esguia, ensopada pela chuva que a vergastava, seguia o desfile em silêncio envergando um longo vestido branco: era Blanche.

Pouco tempo depois Blanche morreu de desgosto, tendo o seu corpo sido encontrado num prado, num local que é agora conhecido como Lady´s Grave.

Em 1442, depois de completa a construção da capela da família Legh na igreja de St Michael, o corpo de Sir Piers foi para lá transladado.

Mas o fantasma de Blanche não teve descanso.

Em noites de tempestade vários visitantes têm, ao longo dos anos, observado um cortejo fúnebre entrando o portão de Lyme Park e dirigindo-se à mansão; a fechar o cortejo, está sempre a figura etérea e silenciosamente chorosa de uma mulher vestida de branco.
Outros têm encontrado a mulher vestida de branco sozinha, vagueando pelo parque, ou sob uma das enormes árvores na frente da casa.
Diz-se que o desgosto por não ter conseguido despedir-se do amante, Sir Piers Legh II, é responsável pela assombração.

Quem sabe se não foi a lenda do fantasma de Lyme Park que inspirou Wilkie Collins para descrever a primeira aparição da inesquecível Anne Catherick n' A Mulher de Branco?

22.2.11

Livros: Uma Inquietante Simetria

No inicio do ano passado, quase por acidente, tropecei no mais recente romance da Audrey Nifferneger, a autora do conhecido e já adaptado ao cinema The Time Traveler's Wife.

O livro aparecia referenciado em links associados a tafofilia, pelo que me apressei a encomendar e ler.
Para mim, o interesse principal deste romance é o facto da história se passar num apartamento antigo, sob cujas janelas se estende o célebre e maravilhoso cemitério de Highgate. Aliás, é no cemitério que se passam diversas cenas do romance, mas mais do que ser um cenário curioso e fora do comum, Highgate tem tanto destaque que chega a ser tratado como uma das personagens do livro.

O cemitério de Highgate (do qual falaremos detalhadamente num post mais adiante) é o mais famoso cemitério Londrino; estando dividido em dois e atravessado por uma ampla rua.
A metade mais antiga data de 1839, tendo sido o cemitério da moda para a sociedade vitoriana. Rapidamente, o terreno foi ocupado pelos Londrinos e em 1854 foi necessário expandir o cemitério, tendo sido adquirido um enorme terreno do outro lado da Swains Lane - a estrada que corta Highgate em dois.

Obviamente que, à semelhança de Père Lachaise, em Paris, o terreno de Highgate está repleto de Falecidos Famosos, alguns dos quais incontornáveis.
É aqui que estão enterrado, entre muito outros nomes conhecidos, Karl Marx, Douglas Adams, Christina Rossetti e Elizabeth Siddal.

É também em Highgate que Lucy, personagem do romance Dracula de Bram Stoker, é enterrada e onde esta dá caça e se alimenta de criancinhas até ser brutalmente assassinada - ou resgatada, dependendo da perspectiva - pelos caçadores de vampiros, entre os quais se encontra o seu noivo.

A parte mais antiga de Highgate encontra-se fechada ao público, sendo apenas possivel visitar o cemitério como parte de grupos, em visitas guiadas.
Durante a preparação do romance Audrey Niffenegger estudou detalhadamente o cemitério de Highgate, de tal forma que chegou mesmo a fazer parte do grupo de guias do cemitério.

Transcrevo abaixo, parte da critica que fiz na altura e que pode ser lida na integra no blog Liquid Dreams Of....
Her Fearful Symmetry conta a história de dois pares de gémeas: Elspeth e Edie e as filhas de Edie, Julia e Valentina.

Nas primeiras páginas do romance Elspeth morre na companhia do amante e vizinho, Robert, um estudioso do cemitério de Highgate. Em testamento, Elspeth deixa todos os seus bens materiais às filhas de Edie com a condição de que estas troquem Chicago por Londres e vivam, durante um ano, no seu apartamento, nas traseiras de Highgate.

Este é um romance muito bem escrito e que conta uma história de perdas e separações. As personagens são ricas e interessantes, cheias de pequenos detalhes e paixões que as tornam reais. Temos Robert, o vizinho do andar inferior ao das gémeas, e a sua interminável tese de doutoramento sobre Highgate, os seus mortos e a sua história; Martin, o vizinho do andar superior, obsessivo-compulsivo, criador de complicados puzzles de palavras cruzadas para o jornal e tradutor de línguas exóticas e perdidas para o British Museum (e que fala fluentemente português!); Little Kitten of Death, um gatinho branco aparecido do cemitério e transformado no animal de estimação de Valentina; James e Jessica os octogenários amigos de Robert e principais cuidadores de Highgate e claro... o próprio cemitério.

Entretanto a Editorial Presença vai publicar o livro no dia 2 de Março sob o título Uma Inquietante Simetria.

É tão raro encontrar romances em que os cemitérios sejam abordados sem pudor: este é um livro que não pode passar despercebido aos tafófilos.

Desejos de boas leituras.

20.2.11

Livros: The Victorian Cemetery

Apesar de em Portugal se escreverem - e se publicarem - pouquíssimos livros sobre cemitérios, arte funerária e afins, lá fora ainda se vão fazendo obras interessantes, que vale a pena ler, não só pela sua qualidade, mas também porque a maioria dos conceitos podem ser aplicados à nossa realidade, mediante pequenos ajustes culturais.

The Victorian Cemetery de Sarah Rutherford é um dos pequenos livros da colecção Shire Library: com apenas setenta páginas, este ricamente ilustrado manual conta-nos o aparecimento e desenvolvimento do fenómeno histórico, cultural e arquitectónico que varreu a Europa, do século XVIII e XIX.

A autora começa por apresentar as origens desta revolução, tendo o cuidado de nos esclarecer acerca das motivações e desejos dos criadores do chamado garden cemetery.
O fenómeno é ainda observado e analisado a nível mundial, durante a segunda metade do século XIX.

Para terminar apresenta uma pequena bibliografia de material aconselhado e uma lista de locais a visitar, infelizmente quase todos na Grã-Bretanha.

Um bom livro de iniciação - e uma boa adição na biblioteca de qualquer tafófilo.

19.2.11

Simbologia: Uroboro

Um elemento recorrente da ilustração funerária é a figura de uma serpente mordendo a própria cauda, formando um círculo ou uma elipse, normalmente designado por uroboro. Pode também ser representado como sendo duas serpentes que mordem a cauda uma da outra.
Costuma aparecer associado a outros símbolos funerários, como flores (frequentemente alcachofras) ou caveiras e tíbias cruzadas; apesar de ser mais invulgar, também é possível encontrar uroboros isolados.

Sendo um símbolo bastante antigo - podemos encontrar referências no Egipto e na Grécia antigos, onde foi baptizado com o nome que significa "devorador de cauda" - e bastante difundido: foram encontradas ilustrações de uroboros em ruínas aztecas, referencias na mitologia nórdica e na China, acompanhando o mais conhecido yin e yang - é curioso que em quase todas as culturas tem, mais ou menos, os mesmos significado: ciclicidade, imortalidade, eternidade, renovação.

É preciso também referir que este é um símbolo utilizado pelos alquimistas. De uma forma simplista, podemos dizer que estes utilizavam-nos como sigilo para representar um processo em si concluído, que se repete continuamente, e que serve para o refinamento de substâncias pela alternância dos estados de aquecimento, evaporação, resfriamento e condensação.

Outra perspectiva importante é perceber que a Igreja Católica, à semelhança do que fez com diversos símbolos e festividades pagãs, adoptou o uroboro, alterando o seu significado: o uroboro passa a ser utilizado para representar os limites do mundo material, o externo - no exterior - face ao interno - no interior.

Considerando todas estas referencias, podemos dizer que este é um símbolo de ciclo e eternidade, da criação nascida a partir da destruição, da Vida gerada na Morte e mito do Eterno Retorno. Transmite a ideia da renovação, auto-sustentação e da vida eterna.

A verdade é que os símbolos têm diferentes significados consoante o seu contexto.
Assim, num contexto funerário, este é claramente um símbolo de vida eterna, um desejo de renovação e esperança num novo começo.
Talvez seja por isso que foi tão comum na arte funerária do século XIX, apesar de ter caído em desuso mais tarde.


Imagens: Cemitério dos Prazeres e Cemitério do Alto de São João, Lisboa, Portugal @Gisela Monteiro.2009

18.2.11

Monumentos Memoráveis: La Giovane Morta

No ensaio The Philosophy of Composition, Edgar Allan Poe partilha connosco uma reflexão acerca dos temas que considera mais melancólicos e mais poéticos.
Diz-nos o autor d' O Corvo:
'I asked myself - "Of all melancholy topics, what, according to the universal understanding of mankind, is the most melancholy?" Death - was the obvious reply. "And when", I said, "is this most melancholy of topics most poetical?" ... "When it most closely allies itself to Beauty": the death, then, of a beautiful woman is, unquestionably, the most poetical topic in the world.'
Esta sublime temática poética de que nos fala Poe pode ser encontrada nos seus próprios poemas - recordo o clássico romântico Annabel Lee, genialmente traduzido para português por Fernando Pessoa - mas também noutras artes, como a pintura - por exemplo, já mencionado a propósito de Lizzie Siddal, Ophelia de Millais - ou a escultura. E é esta última forma de arte que reina na área da arte funerária.

Quando Isabella Casati (Α:1865 - Ω:1889), a belíssima esposa do Barão Gianluigi Casati, morreu com apenas vinte e quatro anos, a sociedade italiana ficou chocada.

O Barão Casati, certamente desgostoso, chamou o talentoso escultor italiano Enrico Butti, e encomendou-lhe uma obra em memória da falecida Isabella, com o objectivo de colocá-la no túmulo da família Casati, no Cemitério Monumentale de Milão.

Butti, aparentemente inspirado por um trabalho de Bartolini na igreja de Santa Croce, em Florença, optou por criar um bronze onde representa Isabela dormindo, reclinada em almofadas, com os braços pousados a acompanharem o corpo e, sobre o peito desnudado, um crucifixo.

Por detrás da figura, e suportado por mármore rosa, um baixo relevo de bronze reforça a ideia do consolatório sono de morte, onde anjos rodeados de estrelas aguardam, nos degraus da escada que conduz ao Paraíso, a chegada das almas.

Este peça é considerada uma das primeiras a transmitir a mensagem da morte doce, usando para isso a imagem de uma bela mulher que, enquanto dorme, morre, fazendo assim uma doce e serena travessia do mundo dos sonhos para a outra vida, onde anjos a esperam.

La Giovane Morta (The Dream of Death) traz-nos também uma componente levemente erótica, frequentemente presente na arte funerária onde são representadas adolescentes ou mulheres mais jovens, e que pode ser percebida pela sinuosa linha criada pelas mãos e ombros, pelos lábios cheios, pela exposição do peito e os longos cabelos, sensualmente dispostos sobre a almofada numa evocação à morte de Ofélia.

Em 1891 o monumento fez parte da Brera Triennale, em Milão, tendo sido um forte concorrente ao prestigioso prémio Principe Umberto.
A aclamação do público foi imediata e um respeitado e influente critico de arte considerou-a um magistral exemplo de uma nova Arte Ideísta.

Depois do trabalho de Enrico Butti, as imagens de jovens acamadas (dormindo) foi utilizada inúmeras vezes, em memoriais comemorativos de mulheres falecidas na força da idade.

A 2 de Novembro de 1891, o dia que a Igreja Católica consagra aos Fiéis Defuntos, o monumento foi inaugurado, tendo sido publicada uma reportagem desse evento na conceituada revista Illustrazione Italiana.

Ainda hoje, esta é uma das obras mais visitadas e fotografadas no cemitério Monumentale de Milão, fazendo obrigatoriamente parte das visitas guiadas que todos os dias enchem o cemitério de turistas.

Cemitério Monumentale de Milão, Itália @Gisela Monteiro.2010

17.2.11

El Arafa: A Cidade dos Mortos

A sudoeste da cidade do Cairo estende-se uma enorme necrópole com mais de seis quilómetros de largura, constituída por uma malha apertada de mausoléus e túmulos islâmicos, conhecida por el'arafa ou seja "o cemitério".

Fundado no século VII, quando um dos comandantes árabes responsáveis pela conquista do Egipto o criou para a sua família, este foi, desde sempre, um cemitério habitado.
Inicialmente, os habitantes eram os responsáveis pelos enterramentos e pela manutenção das campas dos nobres e os sufi (místicos islâmicos).

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El Arafa - foto de Dmitry Gudkov

Actualmente, vivem nesta extensa necrópole cerca de um milhão de pessoas. Alguns, dizem ter escolhido o local pela proximidade dos seus familiares falecidos, mas o devastador terramoto de 1992, as demolições na cidade do Cairo e especialmente a enorme vaga de migrantes que chega à cidade em busca de trabalho, sem ter onde ficar são os grandes responsáveis pela transformação desta cidade dos mortos numa cidade de vivos.

Entre os mausoléus encontram-se carros e móveis, televisões ligadas, tachos fumegantes e crianças brincando entre as pedras tumulares; há cafés, mercearias, oficinas de automóveis e, todas as sextas-feiras, um enorme mercado.
Inúmeras procissões fúnebres percorrem as ruas apertadas, todos os dias.



Numa coprodução de Portugal, Espanha e Egipto, Sérgio Tréfaut filmou um interessante documentário sobre o dia-a-dia destes vivos em terra de mortos, tendo mesmo ganho o Grande Prémio da Documenta em Madrid (2010).

Por cá, o documentário passou no IndieLisboa em Abril de 2010 e deverá estrear nas salas de cinema de Lisboa e Porto em Abril deste ano.

16.2.11

As Catacumbas de Paris - III

« Arrête ! C'est ici l'empire de la Mort. »

É com esta epígrafe do poeta Jacques Delille que os duzentos e cinquenta mil visitantes anuais das catacumbas de Paris são recebidos ao entrarem no Ossário Geral da cidade, depois de descerem os quase cem degraus e de terem esperado em pé, horas a fio, numa fila à entrada que, por vezes, dá a volta à rua e estende-se pelo jardim.

A segurança dos visitantes exige que o percurso com aproximadamente dois quilómetros nunca tenha mais que duzentas pessoas, pelo que o número de visitantes é control
ado por um sistema de torniquetes. Assim também se garante que ninguém é esquecido, se perde ou esconde lo labirinto de ossadas.

As catacumbas de Paris são uma das atracções turísticas de maior sucesso na cidade e estão abertas ao público desde 1874.

Inicialmente, depois de terem passado anos com as noites interrompidas pelo latim das ladainhas
dos padres, mais o barulho das carroças transportando os ossos dos cemitérios da cidade para os túneis das pedreiras subterrâneas, os parisienses sentiram uma natural curiosidade em visitar o ossário e passear entre as ossadas dos seus antepassados.


Perante os numerosos pedidos que iam chegado a todas as entidades envolvidas da criação e manutenção do ossário, foram disponibilizados
funcionários que acompanhavam grupos em visitas; infelizmente, houve quem se aventurasse sozinho e, algum tempo depois, descobriram-se roubos e outras formas de vandalismo.

As visitas foram formalmente proibidas e os únicos visitantes a descer às catacumbas num período de quarenta anos foram altos dignitários franceses e estrangeiros, mediante convites especiais.

Quando as visitas voltaram a ser permitidas, viram-se verdadeiras enchentes de gente que se acumulava nas galerias subterrâneas, duas vezes por mês, seguindo as indicações deixadas pelos funcionários do ossário, que haviam marcado o percurso no tecto, com fumo de vela.

Depois, claro, recomeçaram os acessos ilegais.

Munidos de velas, os parisienses desciam para passear pelos túneis subterrâneos e há mesmo relatos de picnics e festas na companhia dos restos mortais.

A mais célebre dessas ocasiões ocorreu a 2 de Abril de 1897.

Cerca de uma centena de parisienses recebeu um misterioso e anónimo convite: por volta da meia-noite deveriam apresentar-se sozinhos na entrada das catacumbas.
Descidas as escadas em silêncio, os convidados foram surpreendidos por uma orquestra com cerca de quarenta e cinco músicos e artistas, que tocaram e declamaram poesia até às duas e meia da manhã
.
Entre as músicas escolhidas contou-se a Marcha Fúnebre de Chopin, que em 1849 tinha sido tocada em Père Lachaise quando o seu autor foi a enterrar, e a Marcha Fúnebre de Beethoven, parte da 3ª Sinfonia.

Os acessos ilegais continuam, apesar de actualmente das catacumbas serem policiadas. Conta-se que em túneis mais afastados, povoados clandestinamente pelos já célebres catófilos e certamente inspirados nos relatos das aventuras do século XIX, se montam bares, salas de cinema e se dão concertos onde se ouve música, se bebe absinto e se vêem filmes de terror. Alguns desses locais são encontrados uma vez por outra pela policia, sempre desertos, recém-abandonados.

Em Setembro de 2009, as catacumbas tiveram de ser encerradas ao público; e assim permaneceram por um período de quatro meses, depois de uma noite violenta em que um grupo de vândalos conseguiu acesso às galerias subterrâneas e destruiu e desarrumou grande parte das ossadas, espalhando-as pelos diversos percursos.

Actualmente, já podem ser novamente visitadas.

Não percam a oportunidade, mas não tentem levar nenhuma recordação: para além de não ser respeitoso, os seguranças que vigiam a saída asseguram que os seis milhões de parisienses que repousam nos túneis subterrâneos continuam a ser seis milhões.



14.2.11

Falecidos Famosos: Lizzie Siddal

Numa escura noite de Outono, no ano de 1869, uma macabra procissão trilhou os caminhos do Cemitério de Highgate. Com a ajuda de candeeiros, os coveiros liam os nomes nas pedras tumulares, procurando por um túmulo especial. Uma vez encontrado, juntaram uma pilha de lenha e acederam uma fogueira de labaredas trémulas; em seguida, agarraram nas pás e enxadas que traziam com eles e começaram o trabalho.
Durante horas nada mais se ouviu a não ser o crepitar das chamas, fustigadas pelo vento, e o barulho monótono das pazadas a retirar terra. Por fim, o embate de metal em madeira: o ressoar oco de um caixão. Mais terra e vozes murmurantes - envergonhadas. Cordas estalaram e os homens içaram o esquife para fora da cova.
Alguém se aproximou dele, sem temor, e fez saltar a tampa com esforço. Os restantes recuaram, assustados.
Dizem que o rosto conservara a beleza: incorrupto.
Dizem que os seus luxuriantes cabelos ruivos enchiam o caixão com lampejos de fogo, tendo continuado a crescer depois da morte.
Dizem que parecia adormecida, linda, perfeita, como nas telas onde foi pintada até à exaustão.
Uma mão desceu entre os cabelos e o rosto do cadáver e regressou com um manuscrito encadernado a couro. O mesmo homem fez sinal aos coveiros: mandou fechar o caixão e devolvê-lo à terra, voltado a enterrar a imortal Elizabeth Siddal.

Elizabeth Siddal (Α:1829 - Ω:1862), a ruiva que inspirou a Irmandade Pré-Rafaelita, viveu uma das mais belas e trágicas histórias de amor do século XIX.

Descoberta aos vinte anos enquanto trabalhava numa loja de chapéus, os seus magníficos cabelos ruivos, a magreza e o rosto fora do comum rapidamente a tornaram na modelo favorita do grupo de jovens pintores que pretendia revolucionar o mundo artístico vitoriano. O seu primeiro grande sucesso enquanto modelo viria das mãos do talentoso Millais.
No Inverno de 1852, este pintou-a morta, encarnando Ofélia, num vestido branco flutuante, rodeada de flores e afogada numa ribeira.
Na realidade, Lizzie quase morreu, de facto, durante a realização deste trabalho: Millais tinha uma enorme banheira no atelier, que enchia de água quente e onde fazia Lizzie deitar-se tardes inteiras, flutuando, numa simulação do riacho.
Para manter a água quente, Millais acendia um conjunto de lamparinas sob a banheira. Numa das últimas sessões, as lamparinas apagaram-se e Lizzie, não querendo interromper o pintor, deixou-se ficar na água, gelando.
Essa tarde resultou numa pneumonia que muito a debilitou e da qual nunca recuperou completamente.

Entretanto, Dante Gabriel Rossetti - um dos mais talentosos artistas do grupo - apaixonou-se perdidamente por Lizzie e não a deixava posar para mais ninguém.
Rossetti tornou-se o seu mentor, ensinando-a a desenhar e pintar. Os seus trabalhos chegaram a ser expostos com os dos restantes elementos da Irmandade Pré-Rafaelita. Durante anos, Lizzie e Rossetti viveram um para o outro, num amor que ficou registado nos inúmeros trabalhos do artista, onde cabelos ruivos enchem as telas de fogo.

Christina Rossetti, irmã do pintor, escreveu a propósito desses amores:
"He feeds upon her face by day and night,
And she with true kind eyes looks back on him,
Fair as the moon and joyful as the light:
Not wan with waiting, not with sorrow dim;
Not as she is, but was when hope shone bright;
Not as she is, but as she fills his dream."
Lizzie foi uma mulher de saúde frágil, incorrendo muito cedo no vício do láudano, que lhe alterava continuamente a disposição, e a relação com Rossetti, atribulada e cheia de traições e mágoas, deixava-a prostrada e triste, naquilo que os especialistas e estudiosos consideram ter sido um estado de depressão crónica. Lizzie viajou para fora de Londres várias vezes para tratar dos nervos, quase terminando o seu affair com Rossetti pelo menos numa das ocasiões, para desesperar de saudades, piorar seriamente o sempre precário estado de saúde e obrigar Rossetti a deixar trabalho, amores e amigos em Londres, rumando, semi-enlouquecido, para onde quer que Lizzie definhasse.

A proposta de casamento só aconteceu sobre um leito que todos esperavam ser de morte e foi carregada de arrependimento e culpa; mas ao casar, Rossetti prometeu ser fiel a Lizzie e todos os factos conhecidos fazem-no cumpridor dessa promessa.

Quando Lizzie se suicidou, Rossetti quase enlouqueceu e depositou um manuscrito de poemas dentro do caixão dela, sob os belos cabelos ruivos, prometendo-lhe amor eterno.

No lento processo de luto pintou um dos seus mais belos e louvados trabalhos "Beata Beatrix", representando Lizzie no momento final, de olhos fechados, recebendo uma papoila - alusão ao ópio - do bico de uma fénix - renascimento, ressurreição, imortalidade, vida após a morte...
Dizem que se fecharmos os olhos, conseguimos ouvir o último suspiro de Lizzie, vindo dos lábios pintados por Dante.

Sete anos depois, é um Rossetti enfraquecido e incapaz de pintar que se deixa convencer por um agente a pedir uma autorização para exumar o corpo de Lizzie e recuperar o manuscrito, mas é incapaz de estar presente durante a exumação.

O caderno recuperado tem um conjunto de poemas belíssimos, originalmente escritos para Lizzie, mas o seu novo livro - uma mistura de trabalhos inéditos com os recuperados em Highgate - não é bem recebido pela critica.

No final da vida, Rossetti pediu para não ser enterrado no talhão da família junto de Lizzie. Disse-se que foi por remorsos.


Família Rossetti no Cemitério de Highgate

13.2.11

Marcha Fúnebre de Beethoven (3ª Sinfonia)




Parte 1



Parte 2


A 2 de Abril de 1897, nas Catacumbas de Paris, um grupo de músicos e poetas reuniu-se para um concerto não autorizado que fez furor e ficou marcado na história de Paris.

A música que fechou o concerto foi esta. Enjoy!

12.2.11

As Catacumbas de Paris - II

De Pedreira a Ossário Geral de Paris

Durante séculos os mortos de Paris foram sendo enterrados à volta das igrejas, normalmente em charniers, valas comum abençoadas que permitiam enterrar rapidamente um número grande de cadáveres e que iam sendo abertas e fechadas com rapidez, conforme ficavam cheias. Quando possível, os ossos eram retirados e preservados fora das sepulturas, mas ainda assim, empilhavam-se os mortos uns sobre os outros, dentro da cidade.

Inicialmente, quando a lei era a Romana, em Paris como no resto do Império, os mortos eram levados para fora das muralhas das cidades, para cemitérios em locais relativamente arejados e isolados, mas a chegada do Catolicismo construiu igrejas e capelas e disseminou a ideia de que a proximidade dos mortos desses edifícios sagrados, assim como o pagamento do serviço de inumação, garantiria a salvação.
Rapidamente os terrenos em volta das igrejas se encheram de cadáveres e também no interior se faziam inumações. As famílias nobres conseguiam ter pedras gravadas no chão das igrejas, sobre os seus mortos, ou comprar um pequena capela para toda a família. Para os pobres eram abertas valas comuns que se iam enchendo e cobrindo ao longo do tempo.
O aumento populacional começou a sobre-lotar estes cemitérios e o crescimento da cidade engoliu-os e apertou-os entre as moradias, lojas de artífices e mercados. A terra, saturada, já não devorada as carnes com a mesma rapidez e os ossos misturavam-se com corpos mais recentes. O cheiro era nauseabundo e desde o século XVI que há registos oficiais de reclamações.
Epidemias e infecções varriam família inteiras nas vizinhança destes antros de morte e rapidamente as igrejas pareciam ter sido construidas num pequeno vale, rodeadas de elevações artificiais nascidas dos enterramentos acumulados, e transformadas em criptas funerárias, recheadas com as ossadas dos ricos.
Por toda a cidade se sentia o cheiro putrefacto dos corpos em decomposição e mesmo a água e o pão que se comiam e bebiam estavam contaminados.
Mas mais uma vez, e à semelhança do que acontecera anos antes com os túneis das pedreiras subterrâneas de Paris, foi preciso um desabamento para que todas as queixas, relatórios e reclamações fossem levadas a sério.


Em 1780, as paredes da cave de um edifício que ficava paredes meias com o cemitério de Les Innocents cederam, empurradas pelo peso dos milhares de cadáveres que se acumulavam nas valas do cemitério.
Ossos e corpos putrefactos tombaram para dentro da divisão, contaminando tudo e todos.
Rapidamente, as entidades oficiais decretaram que Les Innocents devia ser encerrado, mas sem outra solução mais eficaz, só se agravou a situação dos restantes cemitérios da cidade, obrigados a receber os corpos que tinham pertencido ao cemitério encerrado.

A resolução definitiva chega em 1785, quando uma proposta de utilização dos túneis das pedreiras de calcário como ossário foi aceite.
Todos os cemitérios do interior da cidade foram fechados e iniciou-se o processo de exumação e transladação. As ossadas foram retiradas da terra, limpas, empilhadas em carroças e cobertas por panos negros. Padres acompanhavam as carroças, rezando ladainhas em latim e entoando cânticos sagrados, enquanto cavalos negros levados à mão as puxavam, trotando na noite pelas ruas de Paris, carregando as ossadas para sul da Porte D’Enfer, junto à qual se fazia o acesso às recém convertidas catacumbas.
Essas macabras procissões nocturnas duraram anos, até que os cerca de seis milhões de parisienses, enterrados nos cemitérios, ficaram finalmente amontoados nas entranhas da cidade crescente.

Só mais tarde as ossadas foram dispostas como as podemos ver, de forma ordenada junto das paredes, criando padrões usando caveiras e restos de placas e cruzes, recuperadas dos cemitérios desmantelados.
Nas paredes subterrâneas estão cruzes e corações feitos com caveiras, rodeados por tíbias e fémures empilhados, espectáculo que se estende por quase dois quilómetros, onde estreitos corredores desembocam em galerias espaçosas, iluminadas parcamente e ostentando poemas e versos em latim e francês antigo. Essa arrumação, assim como a selecção dos textos de cariz filosófico e poético que acompanham os restos mortais, foi da responsabilidade do Visconde de Thury.

Foi assim que as pedreiras de Paris se tornaram no Ossário Geral da cidade. E é assim que nasce um novo desejo entre os parisienses: visitar as catacumbas.

11.2.11

Até Que a Morte nos Separe...

A Câmara Municipal de Lisboa preparou um conjunto de actividades especiais para comemorar o dia de São Valentim, um pouco por toda a cidade: Enamorados por Lisboa.

Um desses programas é perfeito para nós, Tafófilos:
"Até Que a Morte Nos Separe" é um passeio guiado pelo Cemitério dos Prazeres onde prometem dar-nos a conhecer histórias de amor que atestam e até ultrapassam o romantismo deste juramento.
Não se esqueçam de marcar!


Dias 12, 13, 19 e 20 de Fevereiro das 12 horas às 13:30 horas.
Marcações através do número: 213 912 699 ou 213 912 700

10.2.11

As Catacumbas de Paris - I

As Pedreiras de Paris

Paris é uma cidade luminosa e sem complexos, que assume os seus mortos e os promove como atracções turísticas de qualidade, sem vergonha ou hesitações.
As catacumbas de Paris são uma dessas atracções turísticas, tal como os cemitérios: Père Lachaise, Montmartre, Montparnasse e, em menor dimensão mas não menor interesse, Passy, o mais recente dos quatro.

A enorme rede de túneis sob Paris não nasceu para ser o ossário da cidade, guardando carinhosamente as ossadas de cerca de seis milhões de Parisienses, anteriormente enterrados nos cerca de duzentos pequenos cemitérios por toda a cidade.

Na realidade, as galerias subterrâneas que formam as catacumbas foram sendo lentamente construídas, durante séculos, por desbaste da rocha calcária que serve de base à cidade, consumida como matéria prima nas construções à superfície. Os romanos tinham enormes pedreiras a céu aberto, afastadas centro de Lutécia (Paris nos tempos Romanos). Através dos tempos, o calcário continuou a ser usado na construção de edifícios, ano após ano, mas com os veios a serem explorados por meio de túneis, a cerca de vinte metros de profundidade.

Como toupeiras, os mineiros cavavam galerias estreitas que iam secando de pedra e alargando, para depois as abandonar, seguindo outro veio de rocha quando aquele falhava. Alguns dos túneis abandonados foram tapados com cascalho, outros não. A rede subterrânea de túneis e passagens foi aumentando de forma irregular e sem plano, criando labirintos escavados na rocha, em direcção ao coração da cidade. De igual forma, Paris foi crescendo, à superfície. Algures no tempo, a cidade sobrepôs-se ao túneis calcários, que continuaram a ser escavados nas suas entranhas.

No século XVIII, em 1774, a cidade apanha um grande susto: uma derrocada num túnel abandonado engole a Rue d'Enfer (Rua do Inferno), deixando apenas um buraco e escombros. A este primeiro desabamento seguem-se outros, engolindo edifícios, pessoas, animais, deixando a população em pânico e assustada.
Imagens de demónios das profundezas tragando a cidade nascem na imaginação dos Parisienses e espalham o histerismo.

O rei encomenda estudos que revelam a verdade temida: os túneis das pedreiras de Paris são extensos, instáveis e não existem planos de mitigação de risco.
E é assim que no ano de 1776 se vê nascer um novo serviço na cidade, a inspecção das pedreiras - Inspection des Carrières - que tem como missão inspeccionar, reparar e mapear as pedreiras abandonadas.

Ao mesmo tempo, Paris viu-se a braços com outro problema derivado do crescimento da cidade, igualmente difícil e também capaz de alimentar as imaginações mais impressionáveis: os cemitérios da cidade estavam sobrelotados.

9.2.11

Falecidos Famosos: Chopin

É inevitável que um weblog dedicado à Tafofilia mencione Frédéric Chopin (Α:1810 - Ω:1849). Chopin foi um brilhante pianista polaco, professor de música e compositor de excelência; é graças a ele que o piano passou a ser visto como um instrumento a solo. Aquela que é, talvez, a mais célebre de todas as marchas fúnebres foi composta por Chopin. Aliás, todos os seus Nocturnos têm qualquer coisa de lúgubre, de funerário, na sua sonoridade de cadências lentas e graves, mesmo os que se poderiam considerar mais animados.

Chopin nasceu na Polónia, mas abandonou a terra natal aos vinte anos. Morreria antes de completar quarenta, em Paris, rodeados de amigos e admiradores, mas sem o seu grande amor: George Sand, a controversa romancista do século XIX.

A relação entre Chopin e Sand foi muito comentada na época e terminou em 1847, dez anos depois de se ter iniciado, na sequência da publicação de Lucrezia Floriani em 1846, onde Sand retrata o seu romance com Chopin, apresentando-o numa luz muito pouco simpática e chamando a si o papel de mártir.

Apesar disso, consta que o golpe final na relação esteve relacionado com Solange, filha de George Sand, muito acarinhada por Chopin. Os motivos diferem consoante a fonte: alguns defendem que Chopin tomou o partido de Solange e o marido, o escultor Auguste Clesinger, face a questões de dinheiro, contra Sand; outros dizem que Chopin não gostava de Clesinger, considerando-o mesmo um escroque, e que se opunha ao casamento dele com Solange, mas Sand via o enlace com bons olhos.

Chopin foi um homem doente, continuamente enfraquecido por uma crónica doença pulmonar - que à altura se julgava ser tuberculose, mas que actualmente se concluiu por fibrose quística - que acabou por o vitimar no regresso de uma "tour" pelo Reno Unido. O seu coração, de acordo com o último desejo, foi retirado, preservado numa urna de cristal e enviado para Varsóvia, onde se encontra até hoje. Foi poupado da destruição da cidade durante os bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial por um General da SS. Mais tarde foi devolvido à cidade e encontra-se na Igreja da Santa Cruz.



Outras das últimas vontades do pianista foi ter o Requiem, de Mozart, tocado no seu funeral. O facto da igreja não aceitar cantoras femininas obrigou a um adiamento da cerimónia por duas semanas, até chegarem a um acordo: as cantoras actuariam cobertas por um pano negro, para não serem vistas. Junto ao túmulo, enquanto alguns cobriam o caixão com terra trazida da Polónia, tocou-se a sua Marcha Fúnebre Op. 35.

A penúria em que se encontrava no momento da morte levou a que o funeral fosse pago pelos seus amigos, que se reuniram no Cemitério de Père Lachaise para um último adeus: apareceram mais de 3 000 pessoas. Entre eles estavam Delacroix, Liszt e Victor Hugo; a ausência de Sand foi notada por todos.

Talvez por ironia, foi Clesinger quem foi chamado, na manhã de 17 de Outubro de 1849, para fazer a máscara de morte de Chopin, criando também moldes das suas talentosas mãos. Mais tarde, é também a este escultor que é encomendado o monumento que encima a campa do músico, uma das mais visitadas em Père Lachaise e sempre repleta de flores.
A recepção da peça de arte não foi calorosa e muitos críticos consideraram-na mesmo medíocre, lamentando que seja ela a marcar a última morada deste notável homem.

Se for a Père Lachaise, é uma visita obrigatória.

8.2.11

Simbologia: Cão

A presença de animais na decoração das campas tem significados diferentes de acordo com o animal que a adorna.
No caso específico do cão, normalmente, está associado a um animal real, provavelmente o predilecto do falecido, que o acompanhava em vida.
Algumas culturas enterravam os pertences do morto com o cadáver e, muitas vezes, isso incluía os seus cães.
A associação dos cães à arte funerária e à vida depois da morte também não deve ser descurada; basta pensar em Cérbero, o gigantesco cão tricéfalo que guardava os portões do mundo inferior.
Na mitologia egípcia o cinocéfalo Anúbis era o deus dos mortos.

Como acontece com quase todos os símbolos, o cão pode ter um significado luminoso ou tenebroso, de acordo com o contexto.
De um ponto de vista luminoso, podemos dizer que os cães são considerados um símbolo de fidelidade, lealdade, vigília e vigilância.
Durante a idade média, a representação de cães na arte funerária representa normalmente a fidelidade, seja matrimonial ou feudal, Por exemplo, no sarcófago de D. Pedro I - na Igreja do Mosteiro de Alcobaça - estavam talhados três cães, com o objectivo claro de representar fidelidade.

Interessante é, também, a associação da imagem do cão à Igreja.
Os frades dominicanos eram, muitas vezes, designados como os "Cães de Deus". Apesar desta expressão poder parecer depreciativa, estava associada à lenda do nascimento de Domingos de Gusmão: conta-se que a mãe des, enquanto grávida, teve um sonho em que dava à luz um cão que segurava um archote alumiado entre os dentes. A imagem foi tão real que quando Domingos de Gusmão criou a sua ordem esta passou a fazer parte do brasão.
Até etimologicamente se pode traçar a origem da expressão, de origem latina: domini (do Senhor) e canos (canis) cão.

No entanto, como já referi anteriormente, os símbolos têm normalmente duas interpretações e, de um ponto de vista menos iluminado, podemos considerar a representação do cão de outra forma. Cães negros, tal como os gatos, são muitas vezes representados numa associação a bruxas e feiticeiros, recordando os cães enviados pelo Demónio para caçar almas humanas.

Termino com uma nota: como noutras áreas, o contexto - histórico, social, artístico - é essencial para a interpretação de determinado elemento decorativo.

Imagem: Cemitério dos Prazeres, Lisboa, Portugal @Gisela Monteiro.2009

7.2.11

Livros: Cemitérios, Jazigos e Sepulturas

Descobri este volume na bibliografia do excelente Dicionário da História de Lisboa, como uma das fontes para as entradas relativas a cemitérios. Também no Cemitérios de Lisboa: Entre o Real e o Imaginário este era um dos livros consultados, pelo que só me restou partir em busca deste volume, que imaginei difícil de encontrar por ter sido editado em 1963, numa edição de autor, com o apoio das Coimbra Editores, Lda.

Felizmente, num inesperado golpe de sorte, encontrei o livro na lista de um alfarrabista online e em menos de 24 horas tinha o volume comigo.

É, sem sombra de dúvida, uma obra de referencia. Da autoria de Vítor Manuel Lopes Dias, à altura secretário do Governo Civil do Porto, esta monografia tem o subtítulo de Estudo Histórico, Artístico, Sanitário e Jurídico e é, de facto, tudo isso.

O primeiro capítulo versa sobre ao hábitos de fúnebres humanos desde o inicio dos tempos até ao século XX, dando exemplos concretos e apresentado definições claras e concisas para quase todos os conceitos que estão relacionados. De uma riqueza e fundamentação robusta, este capítulo apresenta, por exemplo, todo o detalhe da revolta da "Maria da Fonte" fazendo referencia a diversos outros autores e obras que também versam sobre o assunto.

Relativamente à componente artística, começam por ser listados, descritos e ilustrados todos os sepulcros existentes em igrejas, conventos e catedrais portugueses, apresentando até uma justificação para o desaparecimento desta arte e claro, fazendo referencia aos escultores e obras de arte presentes nos cemitérios românticos portugueses: Prazeres, Alto de São João, Agramonte e Prado do Repouso.

No capítulo referente à componente sanitária é especialmente interessante observar as regras criadas para a selecção de locais onde edificar cemitérios, assim como todos os preceitos para a criação de campas e jazigos, tipologia de caixões e regras de tratamento. Refere até o tipo de vegetação a ser seleccionada e o porquê.

Por fim, toda a componente jurídica - até à altura - existente relativa a cemitérios e inumações.

Especialmente interessante é, também, perceber como o autor trata a questão da cremação ou incineração de cadáveres. É de recordar que esta monografia foi escrita em 1963 em pleno Estado Novo que, respeitando os preceitos católicos, proibiu a cremação, tendo criado a ideia de que o único forno crematório do país - construído no cemitério do Alto de São João em 1925 - se encontrava avariado e impossibilitado de funcionar. São mesmo apresentadas estatísticas que reduzem o número de cremações a uma a duas por ano, desde '25 até ao momento da "avaria" para justificar este não ter sido arranjado ou construido outro.

Um excelente trabalho que é, sem dúvida, incontornável.

6.2.11

Igreja de S. Francisco, Porto

Durante um largo período da nossa história, que só terminou em meados do século XIX, as inumações - enterros - eram realizadas no interior das igrejas ou nos seus adros, sendo que a proximidade com os locais mais sagrados, como o altar principal ou as capelas contendo relíquias de santos, eram apenas para os mais ricos, uma vez que eram os mais caros.
Também apenas os ricos tinham direito lajes gravadas, identificando o morto, sendo que os mais pobres eram inumados em valas comuns.

Os cemitérios públicos aparecem, maioritariamente, nos anos 30 do século XIX, mas a resistência do povo à sua utilização foi de tal forma fervorosa que levou mesmo a uma revolta popular seguida de uns meses de guerra civil: a revolução da Maria da Fonte, que teve inicio no Minho.

A cidade do Porto tinha diversos cemitério privados, muitos deles propriedade de ordens religiosas que se recusavam a fechar os cemitérios e a passar a enterrar os seus mortos nos novos cemitério públicos, que se pretendiam com um carácter laico ou, pelo menos, ecuménico.

Epidemias de cholera morbus e o cerco da cidade do Porto, levado a cabo pelas tropas Miguelistas, levam à criação dos cemitérios do Prado do Repouso e Agramonte e à obrigatoriedade da sua utilização.

As catacumbas da Igreja de S. Francisco da Ordem Terceira, no Porto, são das únicas que podem ser visitadas em Portugal e onde ainda se podem ver gavetões datados de meados do século XIX.
Estas catacumbas podem ser visitadas, mediante a compra de um bilhete, que dá acesso a todo o museu e ao interior da magnifica igreja, com belíssimos altares cobertos de talha dourada e, claro, às catacumbas.
Consta que o interior da igreja está forrado com cerca de 600 quilos de ouro.

O chão das catacumbas é composto de grandes rectângulos de madeira gasta e acinzentada que baloiçam sob os nossos pés e ressoam a vazio: por baixo deles estão enterrados os irmão da confraria. Não existe sequer identificação relativa aos restos que aí repousam: apenas números.

As paredes das criptas centrais estão forradas com gavetões onde as urnas eram arrumadas de lado, uma vez que os corredores e as criptas são estreitos e por isso, ainda que de outra forma (à semelhança dos gavetões existentes nos cemitérios actuais) permitisse um maior número de inumações por parede, seria impossível manobrar as urnas.

Os gavetões são todos iguais (ver imagem acima) numerados, e com os nomes e datas dos falecidos gravadas no exterior. É ainda possível encontrar alguns vazios, uma vez que por volta de 1855 a Ordem Terceira de S. Francisco adquiriu terreno no recém criado Cemitério de Agramonte, tendo aí estabelecido um cemitério privado, no interior do recinto do cemitério municipal, contornando assim a lei que encerrou os cemitérios privados existentes no Porto e proibiu a criação de novos.

Num das últimas criptas, pode ainda ver-se no chão uma velha grade, coberta agora de vidro, que é um dos pontos altos da visita.
A grade permite observar pilhas de ossos amontoados desordenadamente no centro de uma câmara.
Partidos, esmagados, conseguem distinguir-se crânios dos mais variados tamanhos, pertencentes aos irmãos da Ordem Terceira que pretendiam aguardar a ressurreição no dia do Juízo Final em terreno sagrado, sob o tecto protector de uma igreja.

Este é mais um local que merece ser visitado.

The Comedy Of Terrors




O trailer que acabaram de ver é do filme The Comedy of Terrors de Jacques Tourneur.

No seu elenco conta com os fabulosos Vincent Price (The House of Usher, The House on Haunted Hill), Boris Karloff (Frankenstein, The Mummy), Peter Lorre (Casablanca, The Raven) e ainda Basil Rathbone (The Black Cat, The Mad Doctor) - sim, todos juntos no mesmo filme! Como se só este facto não fosse suficientemente impressionante para nos fazer correr em busca do DVD, é preciso ainda notar que o guião ficou a cargo de Richard Matheson (I Am Legend, A Stir of Echoes).

O filme conta-nos a história de Trumbull (Vincent Price), genro de Hinchley (Boris Karloff), que, após o casamento com Amaryllis (Joyce Jameson) passa a tomar conta do negócio da família: uma agência funerária, bem ao estilo americano.
Felix, apaixonado pela bela e escultural Amaryllis, é o ajudante de Trumbull, que o apoia incondicionalmente, mesmo quando este o empurra - literalmente - para uma vida de crime.
O negócio começa a correr mal e, quando os clientes começam a escassear e Mr. Black (Basil Rathbone) lhes bate à porta para cobrar as rendas atrasadas, forma-se um plano na cabeça de Trumbull: se as pessoas não morrem sozinhas, podemos sempre dar uma ajuda.

Os diálogos entre Trumbull e Amaryllis são deliciosos; segue-se uma pequena amostra:
Waldo Trumbull: Get away from me!
Amaryllis Trumbull
: Am I so repulsive?
Waldo Trumbull
: That's the word, yes.
Amaryllis Trumbull
: Couldn't you find it in your heart to love me, Waldo?
Waldo Trumbull
: Get up, you're sitting on my money!
Amaryllis Trumbull
: So you reject me?
Waldo Trumbull
: As long as there's liquor in the house!
Para além da reciclagem de caixões (que infelizmente ainda acontece em alguns sítios), é ainda Amaryllis quem assina outro dos momentos altos do filme, ao cantar - pessimamente - durante um serviço fúnebre "He is not dead but spleepin', He is not dead at all."

Um filme a não perder.

5.2.11

Simon Marsden

Existem vários fotógrafos especializados em fotografia cemiterial ou, como é o caso deste primeiro que vos trago, que têm trabalhos dignos de nota na área.

O trabalho de Simon Marsden (Α: 1948 - Ω: ) é inovador e facilmente reconhecível.

Trabalhando com infravermelhos, Marsden fotografa ruínas e e locais isolados, criando atmosferas fabulosas, lúgubres e um pouco desconcertantes por encontrarmos luz onde esperávamos ver sombras.

Tendo recebido a sua primeira máquina fotográfica - uma Leica - no seu vigésimo primeiro aniversário, gastou o primeiro rolo fotográfico no jardim onde, à semelhança das fadas de Cottingley de Conan Doyle, espalhou fantasmas que recortara em cartão, numa tentativa de recriar a atmosfera dos contos de M. R. James, Arthur Machen e Edgar Allan Poe, que lia desde criança.
Com o apoio de bolsas da Arts Council of Great Britain, passou parte dos anos 70 a viajar pela Europa, Estados Unidos e Médio Oriente, onde os seus temas de eleição o levaram a percorrer cemitérios abandonados, ruínas de castelos, palácios e velhas catedrais.
Marsden conta-nos no Clive Barker's A-Z Of Horror que, quando foi convidado para ilustrar um livro com trabalhos de Edgar Allan Poe, já tinha praticamente todo o material que podemos ver na edição que deu à estampa.
Tem uma bibliografia com cerca de doze trabalhos e onde o mais recente é Memento Mori - Churches and Churchyards of England, um livro a não perder e ao qual regressarei mais tarde.

Bibliografia:
  • In Ruins, 1980
  • The Haunted Realm, 1986
  • Visions of Poe, 1988
  • Phantoms of the Isles, 1990
  • The Journal of a Ghosthunter, 1994
  • Beyond the Wall, 1999
  • Venice—City of Haunting Dreams, 2001
  • The Twilight Hour—Celtic Visions from the Past, 2002
  • This Spectred Isle—A Journey through Haunted England, 2005
  • Ghosthunter-A Journey Through Haunted France, 2006
  • Memento Mori-Churches and Churchyards of England, 2007

4.2.11

Catacumbas de Paris na National Geographic

Na edição nacional da revista National Geographic de Fevereiro podem encontrar um artigo sobre as Catacumbas de Paris.

Um local a visitar e um artigo a não perder.

Catacumbas de Paris, Paris, França @Gisela Monteiro.2009

3.2.11

Livros: Cemitérios de Lisboa: Entre o Real e o Imaginário

Corria o ano de 1993 quando a Câmara Municipal de Lisboa publicou um dos únicos – senão mesmo o único – livro em português sobre cemitérios portugueses; lisboetas, para ser mais exacta.

O autor é Francisco Moita Flores e o livro Cemitérios de Lisboa: Entre o Real e o Imaginário é uma edição de luxo, em formato grande, de capa dura, sobre-capa e fita de seda, que deveria fazer parte da biblioteca de qualquer tafofilo que se preze.

Diz-nos Moita Flores na sua introdução:

As páginas que se seguem não são a história dos cemitérios, como esta tradicionalmente é entendida - um discurso cronologicamente organizado sobre a memória, nem quer ser um mero roteiro turístico preocupado com a bela apresentação e de narrativa simplista. É, antes de mais, uma reflexão sobre nós, sobre a nossa cidade, sobre a Morte. Ou dito de outra forma,sobre o modo como os vivos pensam, sentem e representam a Morte. Tornámo-nos, assim, viajantes através da memória, espreitando às encruzilhadas de esperanças e angústias que são ponto de encontro de todos nós, no momento em que reassumimos a consciência da nossa própria finitude.
Apesar de não ser fácil encontrar o livro nas livrarias comuns, ainda pode ser adquirido em alfarrabistas ou, com muita sorte, na loja da Câmara Municipal de Lisboa na Avenida da República.

Quando comprei o meu, há uns anos, ainda lá ficaram dois.

Contém inúmeras fotografias, contextos históricos, alguma simbologia e descrição de rituais de morte e, uma das mais valias do livro, uma visita guiada ao Jazigo Palmela no Cemitério dos Prazeres, um dos maiores jazigos da Europa, que reúne o número recorde de cerca de 200 corpos e restos mortais de elementos da mesma família.





Jazigo Palmela, Cemitério dos Prazeres, Lisboa, Portugal @Gisela Monteiro.2010