20.8.11

Caril entre Campas

Diferentes culturas lidam com a Morte - e os locais de Morte - de diferentes formas.
Recentemente, o documentário A Cidade dos Mortos de Sérgio Tréfaut mostrou-nos como na cidade do Cairo, no século XXI, ainda existem pessoas que vivem em cemitérios, entre os mortos, dentro dos mausoléus dos seus antepassados ou em espaços alugados.

Mesmo na Europa, durante a Idade Média - quando os cemitérios eram as igrejas e, na extensão das inumações ad sanctos, os seus átrios e pátios exteriores - havia gente a viver nesses espaços de Morte, uma vez que os cemitérios tinham também o papel de santuário, ou seja de local de protecção para todas as pessoas que ali estivessem. Principalmente em alturas turbulentas, de guerras e saques, os pátios da igrejas eram ocupados por populares que construiam pequenas barracas para dormir, ou se encostavam nas arcadas onde era guardados os ossos (charniér) e capelas mortuárias junto às paredes das igrejas.
Para além de servirem de santuário, os cemitérios eram também o local de reunião das comunidades e o local de eleição para o comércio: a banca dos livreiros e dos linhos cruzava-se com a banca do pão, bem ao lado da vala comum, aberta e temporariamente coberta por umas tábuas, até atingir a lotação completa (podiam servir para quinhentos ou mil e quinhentos corpos, dependendo do tipo de vala) e ser fechada.
E a vida continuava, naturalmente, estando a Morte - e os mortos - bem mais presentes no dia-a-dia dos vivos do que se poderá pensar hoje, quando a escondemos e fingimos que ela não existe.

Próximos dessa realidade estão os clientes do restaurante New Lucky em Ahmedabad, na Índia. As especialidades do New Lucky são: o chá com leite, os butter rolls e as campas.
Aquilo que começou por ser uma muito bem sucedida e simples barraquinha de chá, montada junto a um antigo cemitério muçulmano, rapidamente se transformou num simples e bem sucedido restaurante.
Com amplo menu vegetariano (servem cerca de noventa pratos diferentes), o New Lucky parece ser um favorito junto de locais e de turistas.
Krsihan Kutti Nair é do dono deste restaurante que tem já cerca de quarenta anos. É ele quem, todas as manhãs, limpa as campas verdes com um pano húmido e as decora com flores secas.
Não sabe de quem são os restos mortais que tem enterrados, literalmente, no meio do restaurante, mas dizem-lhe que se trata de familiares de um Sufi do século XVI, cuja campa também estará por perto.
A verdade é que Krsihan Kutti Nair considera que a presença destas campas, que levam os empregados a saltitar para chegar às mesas e servir os clientes, é boa para o negócio e, de facto, o caso parece ser esse, uma vez que as mesas do New Lucky estão sempre cheias.

Paragem obrigatória para os tafófilos em vista a Ahmedabad, Índia.


Sem comentários:

Enviar um comentário