22.9.11

Eternizados em Recifes

Ao longo da história, a posição do Homem em relação à Morte foi sofrendo alterações, de acordo com o espírito de cada época, sendo que o tratamento dado aos restos mortais - sejam eles ossos ou cinzas crematórias - reflecte sempre a perspectiva humana e o seu entendimento da divindade.

Considerando a teoria de Arìes, podemos dizer que depois da Europa ter domesticado a Morte, passou a vê-la na prespectiva do próprio, do outro e por fim, escondendo-a dos olhos dos vivos, tendo neste expoente, não só isolado a Morte nos ambientes esterilizados dos hospitais, mas também - e especialmente - tornado o luto interdito, carregado a saudade e a tristeza com um peso que as tornou socialmente inaceitáveis.
E é neste contexto que volta a prosperar a cremação como prática comum junto das sociedades ocidentais; mas a revolução industrial e, mais tarde, a revolução tecnológica transformaram a forma como tratamos o produto resultante do processo de cremação, as cinzas crematórias (cremains).

Para além dos tratamentos mais comuns, como espalhar as cinzas em jardins-memoriais, concebidos para esse efeito, ou num local de especial interesse para o morto ou a família, passaram também a criar-se produtos específicos - como o caso da utilização das cinzas para sintetização de diamantes e criação de jóias de luto - ou, entre muitas outras coisas, a desenvolver formas de incorporar as cinzas no mundo natural .
Neste sentido, uma empresa da Flórida, a Eternal Reefs, oferece aos seus clientes a possibilidade de verem as cinzas dos entes queridos transformadas em recifes. Segundo a empresa, eles consideram que oferecem um serviço que:
«combines a cremation urn, ash scattering and a burial at sea into one meaningful permanent environmental tribute to a loved ones life»
A ideia de criar recifes artificiais nasceu para dar resposta à necessidade de reparar e preservar os recifes existentes na costa da Flórida.
Foi desenvolvida uma estrutura artificial, designada de reef ball, que promovia a fixação de espécies marinhas, sem causar danos no fundo do oceano, aguentando correntes e tempestades.

Durante a última década do século passado, milhares destas estruturas foram sendo construidas e integradas, transformando o projecto num sucesso.

A transformação destes recifes em memoriais para cinzas crematórias surgiu de forma inesperada, quando o sogro de um dos sócios da empresa pediu que colocassem as suas cinzas num deles; depois da morte e cremação, as cinzas foram entregues ao genro, que as misturou no cimento de construção de uma reef ball que foi colocada no mar, em Sarasota na Flórida.

Rapidamente, a ideia espalhou-se e a quantidade de pessoas a desejar ter as cinzas imortalizadas num recife aumentaram o suficiente para criar-se uma empresa apenas com esse objectivo. Assim, é possível "comprar" um lugar numa das reef balls, sendo que, dependendo do modelo, é possível conter as cinzas de duas a quatro pessoas. Existem até reef balls específicas para animais de estimação.
Tal como da primeira vez, o processo passa pela mistura das cinzas no cimento usado para criar a reef ball, podendo ainda serem criadas inscrições nas próprias estruturas que identificam as pessoas que aí estão imortalizadas.
Uma opção muito em voga junto dos amantes do oceano...