7.12.11

Fim dos Beijos em Oscar Wilde

Há rituais quase obrigatórios, quando se fazem visitas a determinados sítios.
Acontece em cidades, países, museus - ao visitar Lisboa tem de se comer um Pastel de Belém, ao ir ao Porto e tem de se parar no Café Majestic, em Londres é preciso ver o Big Ben -, mas também acontece com cemitérios.

Uma visita a Père Lachaise inclui quase sempre uma paragem junto das grades anti-motim que cercam a campa de Jim Morrison e um beijo de batôn na campa de Oscar Wilde.
Agora já não.

Oscar Wilde (Α:1854 - Ω:1900) não teve um final feliz.
Nascido numa família irlandesa e tendo estudado em Trinity Colege - a célebre universidade no coração de Dublin - as suas peças e poemas transformaram-no numa celebridade da sociedade vitoriana de 1880 e 1890.
Casado e pai de dois filhos, foi preso por conduta homossexual na cadeia de Reading, nos arredores de Londres. As condições adversas da cela, os maus tratos e humilhações quebraram-lhe o espírito e destruíram-lhe a saúde; passados dois anos, regressou à liberdade e exilou-se no continente, acabando por se refugiar em Paris.
Na miséria e com uma saúde muito debilitada, viria a morrer com apenas quarenta e seis anos, vitima de uma meningite e de uma infecção no aparelho auditivo.

Foi enterrado numa campa temporária no cemitério de Bagneaux, coberto com cal, numa tentativa de acelerar o processo de decomposição, mas, estranhamente, a cal teve o efeito contrário e preservou o corpo.
Passados nove anos, Robert Ross mandou levantar os restos mortais do seu amigo Wilde e levou-os a sepultar no cemitério de Père Lachaise, tendo sido encomendada uma escultura a Jacob Epstein (Α:1880 - Ω:1959) .

Epstein concebeu uma representação de Wilde enquanto um mensageiro alado, num estilo art deco egípcio.

O "anjo" de Wilde está numa posição fora do comum, deitando, num simulacro de voo, os braços estendidos ao longo do corpo e as asas, estilizadas, abertas.
Estas características seriam já suficientes para colocar de sobreaviso algumas personagens mais conservadoras, mas o verdadeiro pomo da discórdia consistiu nos órgãos genitais da figura.

Quando, após três anos a trabalhar na peça, o escultor chegou a Père Lachaise para concluir a instalação, encontrou o seu trabalho coberto por um pano e rodeado de polícias: aparentemente o conservador do cemitério considerara a obra "indecente" e banira-a.

A pressão da massa intelectual parisiense não foi suficiente para para levantar a sanção, mas - talvez inspirado pela bula do Papa Paulo IV que, em 1557, institucionalizou o uso das folhas de figueira para cobrir os genitais em obras de arte e certamente não querendo ir tão longe quanto o Papa Pio IX que as mandou castrar - o curador do cemitério acabou por mandar cobrir os genitais da estátua com uma placa que fazia lembrar uma folha de figueira, antes de aceitar a sua exposição em 1914.

Literalmente, do noite para o dia, a placa/folha desapareceu e com ela parte dos genitais do mensageiro alado.
Reza a lenda que em 1922 alunos universitários invadiram o cemitério na calada da noite e, após retirarem a folha de figueira, partiram parte dos ofensivos genitais e levaram-nos.
Outra versão, mais colorida, diz que duas senhoras inglesas ficaram ofendidas com a generosidade com que Epstein representara os genitais do poeta e decidiram tratar do assunto pessoalmente, emasculando a estátua e deixando o ofensivo pedaço de pedra junto do pedestal. Diz-se ainda que o curador do cemitério o recolheu e passou a tê-lo na sua secretária, servindo-se dele como pisa-papéis.
Seja como for, a estátua ficou como a podemos ver agora.

A campa de Oscar Wilde, à semelhança da sua residência em Dublin, tornou-se local de peregrinação para os fãs; aparentemente, durante décadas, estes iam deixando mensagens escritas na pedra e em 1990 os descendentes de Wilde mandaram limpar a estátua e, ao mesmo tempo, conseguiram-lhe o estatuto de monumento histórico.
Foi então que, ao pararem as mensagens, começaram os beijos. Sempre com tons cor-de-rosa ou vermelho, os fãs de Wilde iam beijando a campa, deixando o seu tributo marcado na pedra com batôn.
Sempre encarei esse gesto como uma homenagem e não como vandalismo, mas os descendentes do poeta pensaram de maneira diferente e mandaram novamente limpar a campa, a tempo para a comemoração dos cento e onze anos sobre a morte de Oscar Wilde, que ocorreram no passado dia 30 de Novembro (dia de morte que partilha com Fernando Pessoa).
Ao reinaugurar a peça, fizeram-na cercar por um vidro espesso, colocado a cerca de meio metro da campa, terminando assim com o ritual de décadas.


Conseguiram acabar com os beijos de batôn na pedra, mas isso não garante que os fãs não continuem a deixar a sua homenagem a Oscar Wilde.
Se calhar, passando agora a beijar o vidro...


Adenda: em 2006, Wes Craven realizou o segmento no cemitério de Père Lachaise, usando a sepultura de Oscar Wilde e o ritual dos beijos de batôn, para o filme Paris, Je T'aime. Até Oscar Wilde aparece como personagem.



Com um obrigada à tafófila Raquel Pais.

1 comentário:

  1. Mais uma adenda: vídeo onde é possível ver em detalhe o vidro em frente da sepultura de Wilde.
    http://pt.euronews.net/2011/11/30/tumba-de-oscar-wilde-ganha-protecao-de-vidro/

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