21.7.11

Os Homens do Saco Escoceses

No seguimento do anterior artigo sobre os Homens do Saco, onde é apresentado um resumo histórico da actividade dos Ladrões de Corpos em Inglaterra, Irlanda e Escócia, fica a ligação para o site Echoes of the Resurrection Men da responsabilidade do professor Martyn Gorman da Universidade de Aberdeen, na Escócia.

Este excelente recurso disponibiliza um conjunto de mapas, baseados na tecnologia Google Maps, que permite perceber padrões de comportamento dos ressurreicionistas, uma vez que estão lá assinalados os Mort Safe que podem ser encontrados nos cemitérios escoceses, assim como a localização das Escolas de Anatomia (principais clientes dos Homens do Saco), os locais onde foram erguidas Torres de Vigia ou Casas de Mortos (utilizadas para manter os cadáveres e aguardar os primeiros sinais de decomposição, de forma a garantir a sua inutilidade para os ladrões de corpos, uma vez que estes necessitavam de espécimes frescos).
Foram ainda constituídos mapas relativos a Inglaterra e à Irlanda.
É possível aceder a fotografias dos artefactos assinalados e a uma base de dados com informação diversa, o que enriquece ainda mais este fantástico site.

Um recurso a usar e abusar e, claro, divulgar.

19.7.11

Nós

I

Foi quando em dois verões, seguidamente, a Febre
E a Cólera também andaram na cidade,

Que esta população, com um terror de lebre,

Fugiu da capital como da tempestade.


Ora, meu pai, depois das nossas vidas salvas

(Até então nós só tivéramos sarampo).
Tanto nos viu crescer entre uns montões de malvas

Que ele ganhou por isso um grande amor ao campo!


Se acaso o conta, ainda a fronte se lhe enruga:
O que se ouvia sempre era o dobrar dos sinos;
Mesmo no nosso prédio, os outros inquilinos

Morreram todos. Nós salvámo-nos na fuga.


Na parte mercantil, foco da epidemia,

Um pânico! Nem um navio entrava a barra,

A alfândega parou, nenhuma loja abria,

E os turbulentos cais cessaram a algazarra.


Pela manhã, em vez dos trens dos baptizados,

Rodavam sem cessar as seges dos enterros.
Que triste a sucessão dos armazéns fechados!

Como um domingo inglês na city, que desterros!


Sem canalização, em muitos burgos ermos
Secavam dejecções cobertas de mosqueiros.
E os médicos, ao pé dos padres e coveiros,

Os últimos fiéis, tremiam dos enfermos!


Uma iluminação a azeite de purgueira,

De noite amarelava os prédios macilentos.

Barricas de alcatrão ardiam; de maneira

Que tinham tons de inferno outros armamentos.


Porém, lá fora, à solta, exageradamente

Enquanto acontecia essa calamidade,

Toda a vegetação, pletórica, potente,

Ganhava imenso com a enorme mortandade!


Num
ímpeto de seiva os arvoredos fartos,
Numa opulenta fúria as novidades todas,

Como uma universal celebração de bodas,

Amaram-se! E depois houve soberbos partos.


Por isso, o chefe antigo e bom da nossa casa,

Triste de ouvir falar em órfãos e em viúvas,

E em permanência olhando o horizonte em brasa,
Não quis voltar senão depois das grandes chuvas.


Ele, dum lado, via os filhos achacados,

Um lívido flagelo e uma moléstia horrenda!

E via, do outro lado, eiras, lezírias, prados,

E um salutar refúgio e um lucro na vivenda!


E o campo, desde então, segundo o que me lembro,

É todo o meu amor de todos estes anos!
Nós vamos para lá; somos provincianos,

Desde o calor de Maio aos frios de Novembro!

(...)

III

Tínhamos nós voltado à capital maldita,

Eu vinha de polir isto tranquilamente,

Quando nos sucedeu uma cruel desdita,

Pois um de nós caiu, de súbito, doente.


Uma tuberculose abria-lhe cavernas!

Dá-me rebate ainda o seu tossir profundo!
E eu sempre lembrarei, triste, as palavras ternas,
Com que se despediu de todos e do mundo!

Pobre rapaz robusto e cheio de futuro!

Não sei dum infortúnio imenso como o seu!
Vi o seu fim chegar como um medonho muro,

E, sem querer, aflito e atónito, morreu!


De tal maneira que hoje, eu desgostoso e azedo

Com tanta crueldade e tantas injustiças,

Se inda trabalho é como os presos no degredo,

Com planos de vingança e ideias insubmissas.


E agora, de tal modo a minha vida é dura,

Tenho momentos maus, tão tristes, tão perversos,

Que sinto só desdém pela literatura,

E até desprezo e esqueço os meus amados versos!

13.7.11

Monumentos Memoráveis: Torre de O'Connell

O maior cemitério de Dublin é o cemitério Prospect, em Glasnevin, na margem norte do rio Liffey.
A localização do cemitério acabou por rebaptizá-lo e ele é hoje conhecido como Glasnevin.

Fundado em 1832, rapidamente se tornou no cemitério de eleição dos irlandeses católicos, ficando o cemitério de Mount Jerome, situado na margem sul, para o uso dos protestantes.

Sombreando o portão principal, ao lado da capela, uma enorme torre redonda de cinquenta e um metros de altura eleva-se muito acima dos demais memoriais, sendo mesmo a mais alta torre circular existente em toda a Irlanda.

A Torre O'Connell foi desenhada por George Petries em honra de Daniel O’Connell (Α:1775 - Ω:1847), um reconhecido líder político irlandês que ficou conhecido como "O Libertador" e ao qual foi dedicada a principal avenida da cidade.

Tendo morrido em Génova, durante uma peregrinação a Roma, Daniel O'Connell pediu que o seu coração fosse aí guardado, mas que o corpo fosse transportado de regresso a Dublin, na amada Irlanda, e enterrado no cemitério católico de Glasnevin.
Em 1869, o corpo foi transladado do local original para uma cripta sob a enorme torre, construidas em sua memória.

A torre está rodeada de um fosso circular, ao qual é possível aceder descendo uma escadaria estreita.
Na parede externa do fosso, à semelhança do que pode ser visto nos cemitérios londrinos (recordo o famoso Circle of Lebanon no cemitério de Highgate), existe um conjunto de portas de metal que permitem o acesso a criptas privadas.
No anel central, sob a enorme torre, existe uma cripta aberta, guardada apenas por uma grade de metal, onde se pode ver o caixão que contem os restos mortais do herói da cidade.

Mais tarde, quando a capela foi construida, tiveram o cuidado de construir o campanário no mesmo formato circular, no entanto, é impossível competir com o gigantismo da Torre de O'Connell.

11.7.11

Um Cadáver

Lembras-te, meu amor, de uma coisa que vimos
Nessa manhã de Verão, suave:
Na curva do caminho um pútrido cadáver,
Num leito de pedras, sozinho,

De pernas para o ar, qual lúbrica mulher,
A arder, transpirando venenos,
Abria de uma forma cínica, insolente,
Cheio de exalações, o ventre.

Na podridão brilhava o sol com a certeza
De quem parecia cozinhá-lo,
Pra devolver com juros à mãe-natureza
Tudo o que ela um dia juntara;

E o céu contemplava a carcaça soberba,
Como flor a desabrochar.
Era um fedor tão forte, que até sobre a erva
Julgaste que ias desmaiar.

E as moscas zumbiam no ventre asqueroso
De onde saíam escuras tropas
De larvas, que escorriam num fluido viscoso
Por entre aqueles vivos trapos.

Tudo aquilo subia a descia, qual vaga
Que num momento rebentasse;
Era como se o corpo, num alento vago,
Noutros milhões ressuscitasse.

E daí emanava estranha melodia,
Como de água que corre, do vento,
Ou do grão que o moleiro no seu movimento
Agita e revolve no crivo.

As formas apagavam-se, mera ilusão,
Um esboço que não se destaca
Numa tela esquecida, e que o artista acaba
Somente pla recordação.

Atrás das rochas vi uma cadela inquieta
Fixando em nós um mau olhar,
À espera de ir buscar à ossada abjecta
O pedaço que ali deixára.

- No entanto serás como esta porcaria,
Como esta horrível infecção,
Ó estrela dos meus olhos, sol da minha vida,
Tu, meu anjo, minha paixão!

Sim! rainha das graças, assim! quando fores,
Pouco depois da extrema-unção,
Repousar sobre a erva e as carnudas flores,
Ganhar bolor no teu caixão.

Então dirás - ó bela! - aos vermes que comerem
Com muitos beijos o teu rosto,
Ter eu guardado a forma e a divina essência
Dos meus amores já decompostos!


10.7.11

Livros: Memento Mori

Durante a Idade Média praticou-se o chamado enterramento ad sanctos, ou seja, o mais próximo possível de relíquias ou de altares, o que significa que as inumações eram realizadas no interior das igrejas, nos seus átrios e claustros.

Esta prática contrariava o costume deixado pelos romanos de inumar-se longe dos locais povoados; prática também defendida pelo cristianismo primitivo.

As inumações ad sanctos foram abandonadas no século XVIII, em favor de uma política mais próxima da romana, seleccionando-se locais distantes das zonas populosas para se constituírem locais específicos de enterramento: os nossos cemitérios românticos (vitorianos) que, por vários motivos, se tornaram locais seculares, ainda que continuem a ocorrer funerais religiosos.

Recordo que a língua inglesa permite distinguir dois tipos diferentes de cemitérios: graveyard ou churchyard e cemetery. O primeiro usa-se, normalmente, para designar os terrenos em volta das igrejas, onde eram realizadas as inumações até ao final século XVIII, início do século XIX, e o segundo é utilizado relativamente aos cemitérios românticos, do século XIX em diante.

Um dos vários livros de fotografia da autoria do excelente fotógrafo Simon Marsden chama-se Memento Mori e, ainda que seja considerado um álbum de fotografia cemiterial, chamo a atenção para o facto das imagens deste livro serem de igrejas e átrios de igreja ingleses; ou seja, os locais onde eram realizadas as inumações ad sanctos.

As imagens são, como sempre, de uma beleza etérea, quase sobrenatural, onde os exteriores se apresentam no preto e branco exótico, característico dos trabalhos do autor, graças ao uso da técnica de infravermelhos.
Os interiores são aqui apresentados a cor, o que não acontece com frequência nos livros de Marsden, mas - com a excepção dos vitrais, que nos são apresentados em todo o seu esplendor colorido e luminoso - o fotógrafo apresentar-nos imagens quase monocromáticas de grande riqueza; contrariamente ao que, por vezes, acontece na fotografia cemiterial, o uso da cor não tem o efeito distractor que nos leva a ignorar a peça de arte, em favor de um ramo de flores coloridas, por exemplo.

Para além das imagens, Marsden escolheu um conjunto de citações de autores conhecidos e que escreveram sobre a Morte ou, pelo menos, trataram-na sem embaraço nos seus trabalhos, como Charles Dickens, Emily Brontë, Emily Dickinson ou Edgar Allan Poe.

Ainda que não seja o meu trabalho favorito de Simon Marsden é, para todos os fãs de fotografia cemiterial, uma obra a adquirir.


3.7.11

Falecidos Famosos: Jim Morrison

Ninguém sabe exactamente o que aconteceu na madrugada de 3 de Julho de 1971, em Paris, no terceiro andar direito do nº17 da rua Beautreillis.

O que se sabe é que uma certidão de óbito foi assinada, declarando que James Douglas Morrison (Α:1943 - Ω:1971) falecera, devido a uma paragem cardíaca.

Nascido no seio de uma família de tradição militar, Morrison e os irmãos mudavam de casa com frequência, sempre que o pai, oficial da marinha norte-americana, era destacado para uma nova base. Não era fácil manter amizades nestas condições, mas o jovem Morrison contava sempre com os seus livros, que o acompanhavam para todo o lado.

Aos quatro anos foi confrontado com um acidente de automóvel que, apesar de recordar de forma muito diferente dos restantes ocupantes da viatura, o marcou profundamente.
Morrison dizia ter sido possuído pelo espírito de um velho xamã que morria na berma da estrada e que isso lhe mudara o destino.
Várias foram as canções e poemas que saíram das mãos de Morrison influenciadas por este evento.

Ao terminar o liceu, Morrison mudou-se para Los Angeles onde ingressou na universidade, para estudar cinema.
Os loucos anos sessenta encontram Morrison a viver - a sobreviver - na ruas de Venice Beach, tomando LSD, dormindo no telhado de apartamentos de amigos e escrevendo. Entre os poemas dessa fase encontram-se muitas das letras das primeiras músicas dos The Doors, banda que irá criar com um colega de universidade chamado Ray Manzarek.

Mais velho que Morrison, Manzarek tocava piano desde miúdo e tinha uma banda com os irmãos, mas ao ouvir aquilo que mais tarde se transformaria em Moonlight Drive, percebeu o potencial das criações de Morrison e propôs que formassem uma banda.

Assim nasceram os The Doors.
O nome, inspirado por um trabalho de Aldous Huxley, vinha originalmente de uma linha de um poema de William Blake.

Morrison dizia ouvir concertos completos na cabeça e tudo o que fazia era registar as músicas que ouvia, antes que estas lhe fugissem. Eram bem conhecidos os excessos de Morrison com as drogas psicotrópicas e o álcool.

Juntaram-se à banda Jonh Densmore e Robby Krieger, respectivamente baterista e guitarrista. Uma das paixões de Krieger - compositor de algumas das mais conhecidas canções da banda, como Light My Fire - o efeito de bottleneck, que torna o som da guitarra quase etéreo, ajudou a dar corpo a Moonlight Drive, a música que, segundo algumas más línguas, conta a história de um assassinato.

Ninguém sabe exactamente como Jim Morrison e Pamela Courson se conheceram, mas todas as versões os colocam juntos desde os primeiros concertos da banda, quando uma Pam acabada de sair do condado de Orange entrou num dos bares de Venice Beach em que os The Doors actuavam.
Uma das versões mais coloridas conta que Densmore a viu "primeiro," mas Pam apaixonou-se pelo futuro Rei Lagarto, um Morrison ainda envergonhado, que cantava no palco de olhos fechados e costas voltadas para o público. Quando Jim se aproximou da mesa que Pam e uma amiga partilhavam com Densmore, foi amor à primeira vista.
Diz-se que é esse o principal motivo das repetidas incompatibilidades entre Morrison e Densmore: Densmore nunca perdoou a Morrison ter sido ele a "ficar com a miúda".
Os amigos do casal, especialmente Manzarek, compararam Jim e Pam ao trágico casal de Shakespeare, Romeu e Julieta.

Durante uma actuação no famoso bar Whisky a Go Go, os The Doors foram finalmente descobertos por Paul Rothchild da Elektra Records.

Seguiram-se os álbuns, carregados de sucessos. A fama foi quase imediata e Morrison passou a ser reconhecido na rua.
As fãs arrastavam-se aos seus pés e, ao longo dos anos, Morrison foi coleccionando casos atrás de casos, alguns com outras personalidades conhecidas, como Nico de Velvet Underground.
Um dos casos mais famosos e discutidos foi com Patricia Kennealy, jornalista e critica de rock, que afirma ter casado com Morrison em 1970, por meio de um casamento pagão que não chegou a ser registado junto das entidades oficiais.

No entanto, quando em Março de 1971, após o lançamento de L.A. Woman - o último álbum de estúdio da banda - Morrison, decide abandonar os Estados Unidos e refugiar-se em Paris, leva consigo Pam Courson.
O objectivo de Morrison era afastar-se da música e aproveitar o anonimato da cidade francesa para regressar à escrita.

Pam chamava-lhe o seu poeta e, pouco tempo antes de morrer, Morrison disse a um jornalista que, aos 27 anos, estava demasiado velho para continuar a ser uma estrela do rock.
A vontade de mudança, a ansiedade pela liberdade e espaço de criação sem as amarras de uma banda, pareciam fazer de Paris um novo começo, mas em vez disso, a cidade da Luz foi apenas o final da história.

A versão mais comum diz que Morrison se sentiu mal durante a noite, com dificuldades de respiração e náuseas, por isso levantou-se da cama e foi tomar um um banho quente, esperando sentir-se melhor.
Pam acordou por volta das três horas da manhã e viu que estava sozinha na cama. Jim ainda não tinha regressado; levantou-se e foi procurar Morrison, encontrando-o no banho, imerso em água tépida, a cabeça repousando na borda da banheira.
Chamou-o e tentou acordá-lo.
Quando não obteve resposta, tentou tirar Morrison da banheira, mas não foi capaz. Consta que Pam ligou a Alain Ronay e Agnès Varda, que a ajudaram a chamar a policia e a tratar das questões legais.

Sem uma autópsia e enterrado rápida e anonimamente num pequeno e escondido talhão no canto do poetas no cemitério parisiense de Père Lachaise, a lenda de Morrison cresceu.
Há quem diga que o cantor simulou a própria morte, tendo viajado para a África do Sul; outros aceitam a morte, mas negam as causas, falando em overdose. Um momento de engano, em que Morrison teria snifado heroína de Pam julgando tratar-se de cocaína.

O pequeno talhão tornou-se rapidamente local de peregrinação, mas a vandalização da campa de Morrison e das campas mais próximas obrigou as as autoridades francesas a isolar a campa de Morrison com a ajuda de grades anti-motim que impedem a aproximação. Ainda assim, o busto de bronze de Morrison que pode ser visto no final do célebre filme The Doors de Oliver Stone (baseado no livro de Jonh Densmore Riders On The Storm) foi roubado em 1988 e não foi ainda substituido.
Apesar de todos os cuidados, flores, poemas, cartas, discos, garrafas, tabaco e charros podem ser vistos sobre a campa de Morrison.

Regressada aos Estados Unidos e três anos depois, também aos vinte e sete anos de idade, Pamela Courson morreu com uma overdose. Contrariamente aos seus desejos, o corpo não foi levado para Père Lachaise e enterrado junto de Jim Morrison.
Com a morte de Pam, perdeu-se a verdade sobre os últimos momentos de Jim Morrison, seja ela qual for.
Segundo Manzarek, Pam ter-lhe-à dito que as últimas palavras de Morrison foram "Pam, are you still there?..."

...and our love becomes a funeral pyre.