31.8.11

Falecidos Famosos: Charles Baudelaire


A 31 de Agosto de 1867, na cama de uma casa de saúde em Paris, depois de dois anos acamado, semi-paralisado, morria Charles Baudelaire, o poeta que cunhou a palavra modernidade, que traduziu Edgar Allan Poe para francês e que publicou as maravilhosas Flores do Mal.

Baudelaire está enterrado no cemitério parisiense de Montparnasse, mas as suas palavras influenciaram gerações e vão durar para sempre...



«Lembras-te, meu amor, de uma coisa que vimos
Nessa manhã de Verão, suave:

Na curva do caminho um pútrido cadáver,

Num leito de pedras, sozinho,»

Baudelaire

29.8.11

Simbologia: Coluna Quebrada

Em paralelo com a ampulheta alada este é, talvez, um dos mais populares símbolos de mortalidade a ser encontrado nos cemitérios românticos.

Internacionalmente bastante popular em meados do século XIX, é possível encontrar vários espécimes no nosso país, adornando campas e cenotáfios.

A coluna quebrada representa o final da vida, mais precisamente de uma vida terminada antes do tempo, sendo por isso normalmente associada à morte de jovens.
Outro símbolo com essa interpretação é o tronco de ramos quebrados, também muito frequente entre nós.

Em outros contextos, ela é um símbolo maçónico, com significado próprio.

Apesar de algumas fontes referirem a utilização da coluna quebrada para marcar campas de maçons, é bastante mais comum encontrar essa marcação com outros símbolos maçónicos como o compasso, o olho no delta radiante, a águia bicéfala, etc.

22.8.11

A Maldição do Anjo Negro

No cemitério de Iowa City, no estado norte-americano do Iowa, uma enorme estátua de um anjo negro causa arrepios aos visitantes que passeiam entre os monumentos.

Numa posição fora do comum, o anjo chama rapidamente a atenção: olhos no chão e rosto triste, asas abertas e desencontradas - uma apontando para o lado, outra apontado para baixo -, braços ao longo das asas, de palmas viradas para fora.

Apesar da estátua ser do inicio do século XX, faltam-lhe já alguns dedos; aparentemente, obra dos alunos das universidades da zona, que transformaram a sepultura num ponto de paragem obrigatória nas noites de Halloween.

O cemitério é de 1843, mas o anjo de bronze de dois metros e meio de altura, da autoria do escultor checo Mario Korbel, foi colocado aí em 1913 por Teresa Feldevert.

Teresa nasceu na República Checa e mudou-se para os Estados Unidos no final do século XIX com o seu filho Edward, trabalhando como parteira em Iowa City.
Vitima de doença, Edward faleceu com apenas dezoito anos em 1891 e foi enterrado no cemitério da cidade. Teresa mandou construir um pequeno monumento, com um tronco de árvore quebrado, simbolizando a vida interrompida de seu filho e mudou-se para o estado de Oregon, onde casou pela segunda vez. Anos mais tarde, Teresa perdeu o novo marido num acidente trágico.
Regressada a Iowa City, mandou fazer um novo monumento para colocar na sepultura de família, tendo encomendado um enorme anjo de bronze, para colocar sobre um pedestal contendo um compartimento que permitiria colocar cinzas no interior.

Em 1924, Teresa morreu e as suas cinzas, à semelhança das do segundo marido, foram colocadas no interior do pedestal. No monumento, foi gravada a data de nascimento de Teresa, mas não a da morte.

E é então que começa o mistério...

Dizem os locais que o enorme anjo de bronze ficou negro durante uma violenta tempestade, que caiu sobre o cemitério, na primeira noite em que as cinzas de Teresa aí foram depositadas.
Reza a história - a lenda? - que Teresa não era boa pessoa, que traiu o marido depois da morte deste, faltando a uma promessa que lhe fizera sobre o leito de morte e que o filho não morreu de doença, mas foi sufocado por ela durante o sono.

Dizem que a maldade de Teresa era tanta que o Anjo Negro ficou amaldiçoado, que quem o tocar só viverá sete anos e que quem o beijar, em noite de lua cheia, sentirá o coração parar nesse instante, caindo aos pés do anjo, fulminado...

20.8.11

Caril entre Campas

Diferentes culturas lidam com a Morte - e os locais de Morte - de diferentes formas.
Recentemente, o documentário A Cidade dos Mortos de Sérgio Tréfaut mostrou-nos como na cidade do Cairo, no século XXI, ainda existem pessoas que vivem em cemitérios, entre os mortos, dentro dos mausoléus dos seus antepassados ou em espaços alugados.

Mesmo na Europa, durante a Idade Média - quando os cemitérios eram as igrejas e, na extensão das inumações ad sanctos, os seus átrios e pátios exteriores - havia gente a viver nesses espaços de Morte, uma vez que os cemitérios tinham também o papel de santuário, ou seja de local de protecção para todas as pessoas que ali estivessem. Principalmente em alturas turbulentas, de guerras e saques, os pátios da igrejas eram ocupados por populares que construiam pequenas barracas para dormir, ou se encostavam nas arcadas onde era guardados os ossos (charniér) e capelas mortuárias junto às paredes das igrejas.
Para além de servirem de santuário, os cemitérios eram também o local de reunião das comunidades e o local de eleição para o comércio: a banca dos livreiros e dos linhos cruzava-se com a banca do pão, bem ao lado da vala comum, aberta e temporariamente coberta por umas tábuas, até atingir a lotação completa (podiam servir para quinhentos ou mil e quinhentos corpos, dependendo do tipo de vala) e ser fechada.
E a vida continuava, naturalmente, estando a Morte - e os mortos - bem mais presentes no dia-a-dia dos vivos do que se poderá pensar hoje, quando a escondemos e fingimos que ela não existe.

Próximos dessa realidade estão os clientes do restaurante New Lucky em Ahmedabad, na Índia. As especialidades do New Lucky são: o chá com leite, os butter rolls e as campas.
Aquilo que começou por ser uma muito bem sucedida e simples barraquinha de chá, montada junto a um antigo cemitério muçulmano, rapidamente se transformou num simples e bem sucedido restaurante.
Com amplo menu vegetariano (servem cerca de noventa pratos diferentes), o New Lucky parece ser um favorito junto de locais e de turistas.
Krsihan Kutti Nair é do dono deste restaurante que tem já cerca de quarenta anos. É ele quem, todas as manhãs, limpa as campas verdes com um pano húmido e as decora com flores secas.
Não sabe de quem são os restos mortais que tem enterrados, literalmente, no meio do restaurante, mas dizem-lhe que se trata de familiares de um Sufi do século XVI, cuja campa também estará por perto.
A verdade é que Krsihan Kutti Nair considera que a presença destas campas, que levam os empregados a saltitar para chegar às mesas e servir os clientes, é boa para o negócio e, de facto, o caso parece ser esse, uma vez que as mesas do New Lucky estão sempre cheias.

Paragem obrigatória para os tafófilos em vista a Ahmedabad, Índia.


16.8.11

Trivia Tumular: Rod Stewart, O Coveiro

Sabia que...

Rod Stewart, um dos artistas mais bem sucedidos de todos os tempos, trabalhou como coveiro no cemitério de Highgate, com o objectivo de enfrentar o medo da Morte, que tinha desde criança.

Não se sabe se a terapia auto-imposta resultou, mas a seguir a Highgate, Stewart trabalhou ainda numa agência funerária em North Finchley, um subúrbio de Londres, antes de se tornar numa vedeta internacional.


11.8.11

Máscaras Mortuárias

Em 1270, morreu na Tunísia o rei francês Luís IX. Estando ele a participar na oitava cruzada, acompanhado de militares e de toda a corte, foi uma procissão enlutada que, no ano seguinte, iniciou o regresso a França.
Na procissão seguia o novo rei Filipe III, filho do falecido, e a sua esposa, Isabella de Aragão.
Ao reiniciarem a marcha, após uma paragem na Calábria, Isabella caiu do cavalo; estando grávida de seis meses, a queda provocou um aborto e ela também acabou por falecer, passados poucos dias.
O rei, duplamente enlutado, mandou erguer um mural no local em que Isabella falecera, onde uma figura de mulher, ajoelhada, reza perante uma imagem da Virgem com o Menino.
O trabalho é esculpido e não pintado, como era mais comum, mas é no rosto da figura que recai a nossa atenção.
Para além desta se encontrar de olhos fechados na presença da Virgem e do Menino, o que é invulgar, o rosto está estranhamente inchado e é rasgado por uma enorme cicatriz.
Uma das hipóteses levantadas para estas particularidades é a possibilidade do escultor ter trabalhado com base numa máscara mortuária da rainha, feita logo após o falecimento.
A ser verdadeira, esta hipótese data as primeiras máscaras mortuárias como sendo artefactos criados no século XIII e não no século XV, como é aceite.
Foram várias as vozes que se levantaram contra a hipótese, explicando que não só as máscaras de cera ou gesso não eram utilizadas nessa altura, como elas só se popularizaram dois séculos depois. A existência de uma cicatriz foi explicada como tendo origem num defeito da pedra que foi utilizada para a escultura.

A busca da imagem realista, iniciada no século XIII, irá ser um dos factores que difundirá o uso das máscaras mortuárias nos séculos XV e XVI, uma vez que permitem preservar a imagem realista do morto e, consequentemente, a realização de retratos e estátuas capazes de captar a sua imagem em vida: assim, ao contrário das imagens macabras e, por vezes, quase satíricas, usadas em representações da Morte, nas quais os esqueletos e a putrefacção dos corpos fazem parte da dance macabre com o objectivo de funcionarem como um memento mori, a utilização das máscaras mortuárias tem como objectivo permitir aos artistas a simulação da vida.

A partir do século XV, a realização de moldes de cera ou gesso a partir dos rostos dos mortos,vai ser um hábito comum por toda a Europa, especialmente porque vai também existir uma evolução cultural que esconderá os corpos e terá um impacto directo nas praticas fúnebres, levando ao uso regular de caixões.
Esta ocultação do cadáver levou à necessidade de criar uma representação do morto, o mais próxima possível daquilo que ele foi em vida, para colocar sobre o caixão.
Estas representações eram feitas em madeira ou cera e os artistas recorriam a máscaras mortuárias feitas a partir de moldes criados imediatamente a seguir à morte.
No entanto, mais do que responder a uma necessidade prática, a criação destas máscaras mortuárias respondia a um impulso natural para a preservação da imagem do morto.

Depois da morte de Chopin, chamou-se imediatamente o escultor Clesinger - artista responsável pela estátua de pedra que adorna a campa do compositor no cemitério de Père Lachaise -, para que fizesse um molde do rosto e mãos do artista, no sentido de serem reproduzidas não só em gesso com em bronze.
Para além das máscaras mortuárias de pessoas famosas, foram também realizadas máscaras de pessoas desconhecidas, com o objectivo de, por exemplo, conseguir-se identificar os cadáveres mais tarde, mesmo quando estes seriam já irreconhecíveis.

Um desses casos ficou famoso e a imagem da Desconhecida do Sena chegou até nós.
Reza a lenda que no final dos anos oitenta do século XIX foi encontrada no Sena uma jovem mulher cujo corpo não apresentava indícios de assassinato ou acidente, pelo que se considerou um suicídio.
Diz-se que a beleza da jovem, a perfeição do rosto e o misterioso sorriso deixaram o patologista de Notre Dame surpreendido e levaram-no a recorrer a um artista de moldes para a realização de uma máscara mortuária que, sem ele imaginar, se tornaria no rosto do início do século XX.
Existem outras versões sobre a origem da máscara, que transformam esta jovem mulher na filha de um artista de moldes alemão, por exemplo.
Seja qual for a verdadeira origem deste molde, no final do século XIX (quando era moda comprar para ter em casa, como bibelots, máscaras mortuárias de personalidades famosas), poucas - ou nenhumas! - eram máscaras de mulheres. Logo, a Desconhecida do Sena deu rapidamente nas vistas entre os rostos masculinos, pendurados nas paredes das lojas de moldes, e tornou-se o rosto obrigatório nas salas-de-estar da burguesia francesa.
Eventualmente, atravessou fronteiras e fez também grande sucesso na Alemanha, tornando-se num modelo a copiar - reza a lenda que até actrizes, como Elisabeth Bergner, viram na Desconhecida do Sena um ideal de beleza.
Poetas, pintores, escritores e outros artistas namoraram o rosto da Desconhecida do Sena e inventaram-lhe biografias maravilhosas e terríveis.
Quando, nos anos cinquenta do século XX, o fabricante de brinquedos norueguês Asmund Laerdal - obcecado com salvamentos, primeiros-socorros e ressuscitação, desde que a sua filha de dois anos morrera afogada - decidiu fazer um boneco, de forma humana e tamanho real, para os nadadores-salvadores e os socorristas praticarem técnicas de salvamento, foi a máscara mortuária da Desconhecida do Sena que lhe serviu de rosto: conhecida como Resusci Anne, ainda está em uso nas aulas contemporâneas de primeiros-socorros.

No século XIX, a chegada do daguerreótipo tornou obsoletas as máscaras mortuárias, dando lugar às fotografias post mortem que também tentavam simular a vida.
As máscaras mortuárias ainda foram utilizadas no século XX: por exemplo, depois do suicídio de Heinrich Himmler, por ingestão de uma cápsula de cianeto, escondida num dente molar, os agentes dos Serviços Secretos Britânicos fizeram-lhe uma máscara mortuária como prova da sua morte.

Termino, deixando um link onde se dão alguma dicas sobre como fazer máscaras mortuárias. Neste caso, os autores do artigo propõem que estas sejam feitas com recursos a modelos vivos.
A técnica é exactamente a mesma; a única diferença é que, no caso dos modelos vivos, é necessário garantir que o modelo consiga respirar quando lhe é aplicado o gesso...


9.8.11

Vida e Morte em Portugal



Interessantíssimo documentário do início dos anos 90, parte da série Viagem ao Maravilhoso sobre as práticas de Morte em Portugal.
Contém imagens de núcleos museológicos dedicados à funerária, simbologia, etc.
Destaque para o cemitério e museu da Chamusca e a história da morte na Europa; menção à lenda referente às intervenções do fantasma de Sousa Martins em curas e sessões espíritas e à relação entre a Morte e as praticas populares do Carnaval e da Páscoa.


5.8.11

Monumentos Memoráveis: Anjo da Mágoa

Todas as artes têm a sua Mona Lisa: uma peça que toda a gente conhece, que toda a gente já viu algures e que consegue, muitas vezes, saber o nome do autor, o estilo a que pertence, o local onde se encontra.

Não sei se podemos dizer, sem sombra de dúvida, qual é Mona Lisa da escultura cemiterial, mas se tivesse de escolher uma peça, escolheria o Anjo da Mágoa (Angel of Grief no original) de William Story.


Esta peça magnifica encontra-se na campa da família Story, no Cemitério Não-Católico de Roma e foi o último trabalho do artista, que a concebeu pouco tempo antes de morrer, para a campa de Emelyn Story, sua esposa.

Os registos que encontrei diferem, colocando a morte de Emelyn e eventual realização da peça ora em 1894, ora em 1895. No entanto, em algumas imagens disponibilizadas na Internet, é possível ver uma data gravada no monumento: Janeiro de 1895; uma vez que William Story faleceu em Outubro de 1895, podemos concluir que a data diz respeito à sua mulher e que a peça foi feita entre Janeiro e Outubro de 1895.

Esta é, sem dúvida uma das obras cemiteriais mais conhecidas, tendo até sido utilizada como imagem de capa de diversos discos; recordo, a título de exemplo, a capa do álbum Embossed Dreams in Four Acts da banda de metal grega Odes Of Ecstasy.

Para além disso, o magnifico Anjo de Story foi também replicado em quase todos os países: só nos Estado Unidos foram registadas mais de onze reproduções em diferentes cemitérios.
Existe até um grupo, no site de fotografia Flickr, dedicado apenas a fotografias deste anjo, recebendo imagens de todo o mundo.

Surpreendentemente - ou não! - ainda não encontrei nenhuma réplica exacta do Anjo da Mágoa em cemitérios portugueses, ao contrário do que aconteceu com a imagem do anjo e da donzela de Frederico Fabiani, existente no Jazigo Parpaglioni em Génova; no entanto, quer no cemitério de Agramonte, no Porto, quer no cemitério da Conchada, em Coimbra, foi possível encontrar uma réplica alterada: não se trata de um anjo, mas sim de uma mulher e, no lugar do ramo de carvalho aos pés do altar, podemos encontrar uma criança pequena, tentando alcançar a mão caída da mulher.

A informação que encontrei diz que o trabalho do cemitério de Agramonte (em baixo, à esquerda, a preto e branco) é da autoria de Teixeira Lopes, mas não tem qualquer referência à autoria da peça que se encontra em Coimbra (em baixo, à direita, a cores).



Ambas são belíssimas e, como quase todas as peças que tenho encontrado nos nossos cemitérios, mereciam maior atenção e destaque.


3.8.11

Livro: Sobre a História da Morte no Ocidente

Sobre a História da Morte no Ocidente desde a Idade Média é um livro que recomendo sem hesitações; composto por um conjunto de comunicações e ensaios escritos pelo historiador e medievalista francês Philippe Ariès (Α:1914 - Ω:1984), este livro, publicado em França em 1975, já vai na 4ª edição portuguesa, pela Teorema.

Neste trabalho, Ariès define quatro diferentes posturas da sociedade em relação à Morte e caracteriza-as detalhadamente através de exemplos.

Começa por apresentar-nos aquilo que ele designa por Morte Domesticada, a prática reinante durante a primeira Idade Média em que não só o moribundo tinha conhecimento do seu final próximo como o preparava cuidadosamente, reunindo amigos e familiares em torno do leito de morte e fazendo o seu testamento.

Ainda que tenham existido alterações ao longo dos tempos, é a partir dos séculos XI e XII que esta Morte Domesticada se transforma na Morte de Si Próprio; se até então o homem concebia a morte como a passagem para um estádio onde deveria residir até à chegada do Juízo Final - onde as suas acções em vida seria analisadas, pesadas e lhe seria então atribuída a eternidade no Paraíso ou no Inferno - nesta fase passa a conceber que esse juízo e decisão ocorrem no momento da morte.
As pestes que grassaram pela Europa durante a Idade Média acabaram por levar à criação dos Ars Moriendi - a Arte de Bem Morrer - publicados nos séculos XV e XVI.
Também é interessante perceber as alterações que vão sucedendo aos rituais fúnebres durante a Idade Média, uma vez que estes passam de laicos a terem uma intervenção cada vez maior por parte da Igreja, com a criação da Missa de Corpo Presente, por exemplo, ou o acompanhamento dos funerais por padres, frades e outros elementos da Igreja.

É já no século XVIII que a Morte de Si Próprio dá lugar à Morte do Outro, onde a saudade e a lamentação vão possibilitar o desenvolvimento do culto dos mortos nos séculos que se seguiram e cujo exemplo mais imediato é a criação dos cemitério românticos (vitorianos).
Esta conversão da Morte de Si Próprio na Morte do Outro está assente em duas grandes alterações que ocorreram no século XVIII: a complacência com a ideia da morte e a alteração da dinâmica entre o moribundo e os seus familiares e amigos, inclusive na forma como os testamentos passam a ser feitos.

A quarta e última fase é a da Morte Interdita: escondemos os nossos moribundos em hospitais e lares onde eles morrem sozinhos, criticamos o culto dos mortos, as visitas aos cemitérios, passamos a adoptar a cremação por esta ser mais definitiva, evitamos chorar em público e temos horror do luto.
É nesta fase que o autor nos coloca.

Todos os ensaios tem inúmeros exemplos e citações, que ilustram perfeitamente os argumentos de Ariès e nos ajudam a perceber as suas conclusões sem dificuldade.
Existem ainda vários ensaios dedicados apenas a praticas específicas ou curiosidades ligadas à morte, aos mortos ou às honras fúnebres nas diversas fases, como Os Milagres dos Mortos, Huizinga e os Temas Macabros, A Vida e a Morte para os Franceses do Nosso Tempo, etc.

E talvez seja aqui que vou colocar o único defeito que tenho a apresentar relativamente ao livro: tem uma componente francesa muito forte.
Ainda assim, mesmo quando Ariès fala especificamente sobre a cultura e pratica francesas, todas as observações e conclusões são-nos suficientemente próximas para que a leitura se faça sem hesitações e a informação nos seja útil.

Existem mais obras deste autor que posso recomendar, em especial The Hour of Our Death - onde o autor volta a dissertar sobre estas quatro fases com maior profundidade, até porque o este é de 1981, ou seja, seis anos depois da publicação de Sobre a História da Morte no Ocidente - mas não encontrei mais nenhum publicado em português.

Termino agradecendo à editora Teorema a publicação de mais um livro corajoso: acredito que os livros sobre a morte não serão os mais procurados nas livrarias, mas é importante que estas obras sejam disponibilizadas em português.