30.4.12

Capelas de Ossos em Portugal

A origem das capelas de ossos não é tema de polémica. Quase todas as fontes são unânimes em colocar as capelas de ossos como uma evolução natural dos carneiros e ossários.
Durante séculos, os cadáveres foram sendo enterrados no interior e nos átrios das igrejas. Como as inumações ad sanctos eram proibidas pela Igreja, era necessário o pagamento de indulgências para que este se concretizasse; assim, o interior acabava por ser maioritariamente ocupado pela nobreza; o povo era enterrado nos átrios, em redor do edifício. Lançados em enormes valas comuns, com capacidades que variavam entre os seiscentos e os mil e quinhentos corpos, os cadáveres iam sendo amontoados até que a vala ficasse cheia; nessa altura, esta era completamente coberta e, a mais antiga das valas comuns era reaberta, para reutilização do espaço.
Com sorte, os corpos tinham tido tempo suficiente para se decomporem na terra saturada e tudo o que restava eram esqueletos encardidos entre a terra negra e fétida. Os ossos eram retirados, limpos e guardados em carneiros, onde a exposição das ossadas fazia parte do ritual de confrontação com o fim da vida, aguardando o Juízo Final, onde seriam reanimados e caminhariam entre os justos.
Entrada da Capela de Ossos de Évora, Portugal
No século XIV, com um interesse crescente pelo macabro, os ossos começaram a ser dispostos de forma mais cuidadosa e, por vezes, de forma harmoniosa, artística.
Um pouco por todo a Europa foram-se forrando pequenas capelas das igrejas com ossos, criando assim as primeiras capelas de ossos, sendo que algumas são mais simples outras mais elaboradas. Este fenómeno é bastante comum por toda a Europa.
Em Portugal existem actualmente sete capelas de ossos, todas elas localizadas a sul do Tejo. Existe ainda um carneiro nas catacumbas da igreja de S. Francisco, no Porto, que é observável através de uma grade com vidro.
Existem ainda registos escritos de uma oitava capela de ossos em Coimbra, que seria a mais antiga de Portugal, mas que foi destruída nos finais do século XIX para dar lugar a uma nova estrada.
Segundo Carlos Veloso, a moda das capelas de ossos espalhou-se no sentido Norte-Sul, sendo que as mais antigas são as do Alentejo (Évora, Monforte e Campo Maior) e as mais recentes as do Algarve (Alcantarilha, Faro, Lagos e um pequeno nicho em Pechões).
A de Évora é a mais conhecida e a maior, sendo que muita gente pensa até que é a única Capela de Ossos em território nacional.
Capela dos Ossos de Évora, Portugal
Como aconteceu um pouco por toda a Europa, o revivalismo do século XIX deu novas roupagens a algumas das capelas de ossos nacionais. A de Évora ganhou uma nova decoração nos tecto, cheios de simbolismo mortuário; infelizmente, não é possível observar completamente os tectos uma vez que, por motivos de vandalismo, foi necessário limitar o espaço visitável da capela a um corredor central, delimitado por um muro de acrílico.
Segundo a informação disponível, a capela dos ossos de Évora foi construída no século XVI por um monge da ordem de S. Francisco que pretendia recordar os seus irmãos da efemeridade da vida, confrontando-os com as ossadas.

Topo do altar e vista parcial do tecto da Capela dos Ossos de Alcantarilha, Algarve.
Há ainda uma mensagem escrita, bem clara, no pórtico de entrada para a capela:

"NÓS OSSOS QUE AQUI ESTAMOS PELOS VOSSOS ESPERAMOS".

Existe uma diferença curiosa entre as capelas alentejanas e as algarvias e está no uso de linhas geométricas explicitas e acentuadas com cores. Isto pode ser observado no altar da capela de Alcantarilha ou no tecto da capela de Faro.
Detalhe do tecto da Capela de Ossos de Alcantarilha, Algarve
É sempre possível encontrar detalhes curiosos durante as visitas. Na capela de Alcantarilha, por exemplo, é possível ver um enorme gancho metálico no centro, rodeado por ossos e caveiras enegrecidas, testemunho da existência, algures no tempo, de um candelabro com velas. Em algumas dessas caveiras do tecto é possível ver ainda alguns dentes, o que não acontece nas caveiras que revestem as paredes e cujos dentes se perderam - ou foram levados - ao longo dos anos.

É ainda essencial perceber que, no nosso país, a partir do século XVI, o culto das Alminhas do Purgatório - já explorado no contexto do Dia de Finados - levou à criação de pequenos altares, capelas e imagens evocativas um pouco por todo o país.
Existe uma clara relação entre este culto das alminhas e as capelas de ossos, uma vez que ambas têm um objectivo comum: recordar aos vivos a necessidade de rezarem pelas almas dos mortos.

Para quem quiser explorar um pouco mais sobre este tema, recordo uma das recomendações Mort Safe para o Natal de 2011: The Empire of Death de Paul Koudounaris.