18.12.11

A Grande Pirâmide de Londres

Em 1842, antes do arquitecto Thomas Willson fazer parte da comissão dirigente da General Cemetery Company - companhia responsável pelo cemitério de Kensal Green, o primeiro dos Sete Magníficos cemitérios de Londres -, o seu nome apareceu associado a uma das maiores follies* cemiteriais de que há memória.

Na primeira metade do século XIX, quando os londrinos começaram a conceber novas formas de lidar com os mortos, alguns arquitectos, mais criativos ou ousados, decidiram fazer propostas fora do comum.
Uma das mais curiosas foi a Grande Pirâmide de Londres, que teria capacidade para receber cerca de cinco milhões de mortos, acomodados em noventa e quatro camadas que lhe daria uma altura superior à catedral de St. Paul.
Com a base do tamanho da Russell Square, ficaria em Primrose Hill e, se tivesse sido construída, teria mudado radicalmente o perfil da cidade de Londres.
Concebida para ser construida em tijolo e forrada a granito, teria capacidade para receber anualmente cerca de quarenta mil corpos, nas duzentas e quinze mil duzentas e noventa e seis catacumbas, cada uma capaz de guardar vinte e quatro caixões, que seriam alugadas a paróquias ou famílias particulares por £50.
A pirâmide teria ainda uma capela, um escritório, acomodações para vários funcionários e, alinhado com o espírito vitoriano, um observatório no topo.
O custo estimado rondava as £2,500,000 e nem o fundo de investimento criado permitiu angariar o dinheiro necessário para a construção, pelo que a Grande Pirâmide de Londres nunca passou do papel.

Se tivesse sido construída seria um mausoléu gigantesco e inigualável e teria tido um impacto tremendo na concepção e desenho dos cemitérios modernos que, acredito, seriam bem diferentes do que são actualmente.



*follies
é o plural de folly (do francês folie) e em arquitectura, apartir dos século XVIII e XIX, significa um edifício de custo de construção e manutenção elevado, normalmente não funcional, construido especialmente por questões estéticas.
Um dos mais conhecidos é, talvez, Fonthill Abbey, do escritor britânico William Beckford, autor de Vathek.

7.12.11

Fim dos Beijos em Oscar Wilde

Há rituais quase obrigatórios, quando se fazem visitas a determinados sítios.
Acontece em cidades, países, museus - ao visitar Lisboa tem de se comer um Pastel de Belém, ao ir ao Porto e tem de se parar no Café Majestic, em Londres é preciso ver o Big Ben -, mas também acontece com cemitérios.

Uma visita a Père Lachaise inclui quase sempre uma paragem junto das grades anti-motim que cercam a campa de Jim Morrison e um beijo de batôn na campa de Oscar Wilde.
Agora já não.

Oscar Wilde (Α:1854 - Ω:1900) não teve um final feliz.
Nascido numa família irlandesa e tendo estudado em Trinity Colege - a célebre universidade no coração de Dublin - as suas peças e poemas transformaram-no numa celebridade da sociedade vitoriana de 1880 e 1890.
Casado e pai de dois filhos, foi preso por conduta homossexual na cadeia de Reading, nos arredores de Londres. As condições adversas da cela, os maus tratos e humilhações quebraram-lhe o espírito e destruíram-lhe a saúde; passados dois anos, regressou à liberdade e exilou-se no continente, acabando por se refugiar em Paris.
Na miséria e com uma saúde muito debilitada, viria a morrer com apenas quarenta e seis anos, vitima de uma meningite e de uma infecção no aparelho auditivo.

Foi enterrado numa campa temporária no cemitério de Bagneaux, coberto com cal, numa tentativa de acelerar o processo de decomposição, mas, estranhamente, a cal teve o efeito contrário e preservou o corpo.
Passados nove anos, Robert Ross mandou levantar os restos mortais do seu amigo Wilde e levou-os a sepultar no cemitério de Père Lachaise, tendo sido encomendada uma escultura a Jacob Epstein (Α:1880 - Ω:1959) .

Epstein concebeu uma representação de Wilde enquanto um mensageiro alado, num estilo art deco egípcio.

O "anjo" de Wilde está numa posição fora do comum, deitando, num simulacro de voo, os braços estendidos ao longo do corpo e as asas, estilizadas, abertas.
Estas características seriam já suficientes para colocar de sobreaviso algumas personagens mais conservadoras, mas o verdadeiro pomo da discórdia consistiu nos órgãos genitais da figura.

Quando, após três anos a trabalhar na peça, o escultor chegou a Père Lachaise para concluir a instalação, encontrou o seu trabalho coberto por um pano e rodeado de polícias: aparentemente o conservador do cemitério considerara a obra "indecente" e banira-a.

A pressão da massa intelectual parisiense não foi suficiente para para levantar a sanção, mas - talvez inspirado pela bula do Papa Paulo IV que, em 1557, institucionalizou o uso das folhas de figueira para cobrir os genitais em obras de arte e certamente não querendo ir tão longe quanto o Papa Pio IX que as mandou castrar - o curador do cemitério acabou por mandar cobrir os genitais da estátua com uma placa que fazia lembrar uma folha de figueira, antes de aceitar a sua exposição em 1914.

Literalmente, do noite para o dia, a placa/folha desapareceu e com ela parte dos genitais do mensageiro alado.
Reza a lenda que em 1922 alunos universitários invadiram o cemitério na calada da noite e, após retirarem a folha de figueira, partiram parte dos ofensivos genitais e levaram-nos.
Outra versão, mais colorida, diz que duas senhoras inglesas ficaram ofendidas com a generosidade com que Epstein representara os genitais do poeta e decidiram tratar do assunto pessoalmente, emasculando a estátua e deixando o ofensivo pedaço de pedra junto do pedestal. Diz-se ainda que o curador do cemitério o recolheu e passou a tê-lo na sua secretária, servindo-se dele como pisa-papéis.
Seja como for, a estátua ficou como a podemos ver agora.

A campa de Oscar Wilde, à semelhança da sua residência em Dublin, tornou-se local de peregrinação para os fãs; aparentemente, durante décadas, estes iam deixando mensagens escritas na pedra e em 1990 os descendentes de Wilde mandaram limpar a estátua e, ao mesmo tempo, conseguiram-lhe o estatuto de monumento histórico.
Foi então que, ao pararem as mensagens, começaram os beijos. Sempre com tons cor-de-rosa ou vermelho, os fãs de Wilde iam beijando a campa, deixando o seu tributo marcado na pedra com batôn.
Sempre encarei esse gesto como uma homenagem e não como vandalismo, mas os descendentes do poeta pensaram de maneira diferente e mandaram novamente limpar a campa, a tempo para a comemoração dos cento e onze anos sobre a morte de Oscar Wilde, que ocorreram no passado dia 30 de Novembro (dia de morte que partilha com Fernando Pessoa).
Ao reinaugurar a peça, fizeram-na cercar por um vidro espesso, colocado a cerca de meio metro da campa, terminando assim com o ritual de décadas.


Conseguiram acabar com os beijos de batôn na pedra, mas isso não garante que os fãs não continuem a deixar a sua homenagem a Oscar Wilde.
Se calhar, passando agora a beijar o vidro...


Adenda: em 2006, Wes Craven realizou o segmento no cemitério de Père Lachaise, usando a sepultura de Oscar Wilde e o ritual dos beijos de batôn, para o filme Paris, Je T'aime. Até Oscar Wilde aparece como personagem.



Com um obrigada à tafófila Raquel Pais.

5.12.11

Natal para Tafófilos - Edição 2011

Com a proximidade das festividades natalícias e o hábito de oferecer presentes, parece-me adequado deixar uma ou duas recomendações para prendas de Natal para Tafófilos.

Para recomendações em português, recordo as recomendações para a Feira do Livro.
Não existe muita coisa sobre ou relacionada como cemitérios a ser editada em português, infelizmente.
Destaco, mais uma vez, o livro de Philippe Ariès "Sobre a História da Morte no Ocidente desde a Idade Média" da editora Teorema.

Para quem estiver disponível para ler em inglês, o leque de opções é bem mais abrangente.
Destaco o livro de Paul Koudounaris "The Empire of Death".

Com imagens maravilhosas, capa dura e uma edição de luxo, esta obra promete fazer as delícias de qualquer tafófilo.
Interessante é o facto de incluir imagens de oito capelas de ossos e carneiros portugueses. Até ao momento, em português e sobre este tema, encontrei apenas o trabalho de Carlos Veloso "As Capelas dos Ossos em Portugal" pela editora Minerva, pelo que é uma mais valia ter também o livro de Koudounaris.
Se encomendarem já, deve ainda chegar a tempo do Natal.

Não deixem de visitar a página do autor Empire De La Mort.


A fotografia é da Capela dos Ossos de Campo Maior, Portugal
e é da autoria de Paul Koudounaris.


1.12.11

Mort Safe em Destaque no "Ave Rara"

O site "Ave Rara - Portal de Divulgação Cultural, Reportagens e Entrevistas" publicou uma entrevista comigo sobre o blogue Mort Safe.

É muito agradável poder contribuir activamente na desmistificação da tafofilia, promovendo as visitas culturais e turísticas em cemitérios e outros locais inseridos na dimensão do necroturismo.

Podem encontrar a reportagem/entrevista a partir daqui: "Tafofilia: Um Outra Forma de Viver a Morte".