23.10.12

Igreja de Santa Elżbiety

Todos os guias de viagem que descrevem as atracções turísticas da cidade polaca de Wrocław falam de dois pitorescos edifícios antigos, unidos por um arco barroco, datado de 1728, a que chamam carinhosamente de "Hansel e Gretel", inspirados pelo célebre conto dos Irmãos Grimm. 
Na realidade, apesar de ter ganho a alcunha por considerarem que esse arco recorda um casal de mãos dadas, ele tem muito pouco de romântico. 
Ao lado dos prédios - agora isolados - continuava o casario ou talvez um muro, cercando e fechando o acesso ao átrio da igreja de Santa Elżbiety que, como em todas as igrejas medievais, servia de cemitério.
No topo do arco, num pequeno medalhão erguido por dois anjinhos pode ler-se:

 «Mors Ianua Vitae»
 
"A Morte é a Porta da Vida", num mórbido convite a deixar o buliço da vida da praça principal, do mercado e, passando o arco, entrar no território da Morte.
Das valas comuns medievais, que certamente encheram o átrio, aparentemente nada resta, mas as paredes exteriores da igreja, estão ainda decoradas com placas funerárias e inscrições, mandadas colocar pelos cidadãos mais ricos que, mesmo depois de mortos, queriam ser recordados.
Maioritariamente as placas apresentam apenas epitáfios ornamentados, mas existem placas onde se podem encontrar também brasões ou escudos de armas. 
Existem ainda representações de cenas sagradas, retiradas da Bíblia ou de vidas de santos.
Numa das placas, o campanário partido da torre cai em direcção à terra, transportado por anjos, o que poderá indiciar que a torre terá ruído, mas que milagrosamente não terão existido vítimas. A ser verdade este será um painel que celebra esse milagre e a imagem é a garantia que seria entendido por todos, sem dificuldades e sem a obrigação de fazer a leitura do texto.
 
Quase todas as placas estão protegidas por um pequeno telheiro.
Estes telheiros eram muito comuns e serviam essencialmente para que os restos mortais do falecido estivessem "sob telha", ou seja, anulava o facto de estarem do lado exterior da igreja, pois simulavam o interior. Mesmo quando no século XV começou a ser mais usual colocar cruzes entre as campas dos átrios das igrejas, estas tinham pequenos telhados assentes nas pontas, com este mesmo objectivo. 
Este tipo de cruzes é ainda muito comum nos cemitérios da Europa de Leste.

A estrutura gótica da igreja de Santa Elżbiety data originalmente do século XIV, mas já existia uma igreja no mesmo sítio desde o século XII.
O belíssimo edifício é um dos mais altos da cidade, com a sua torre de noventa metros (anteriormente, cento e vinte e oito), que oferece uma magnifica vista sobre a Cidade Velha de Wrocław, especialmente a praça principal - Rynek -, onde durante séculos funcionou o mercado.
 A igreja de tijolo vermelho, com o seu telhado malhado em vermelho e verde, teve vários acidentes ao longo dos anos.
Exemplo disso são a intensa tempestade de granizo do século XVI que conseguiu destruir parte da igreja, incluindo os gigantescos vitrais do lado norte, os danos causados pela Segunda Guerra Mundial ou o misterioso incêndio em 1976 que fez inúmeros estragos no interior e que, inclusivamente, destruiu o órgão da igreja, que era um dos seus ex-libris.
Para além das placas funerárias no exterior do edifício, é ainda possível ver várias placas no interior e as capelas funerárias laterais, reservadas para a inumação dos elementos da família que as financiavam e mantinham. Ainda guardam todo o esplendor; algumas sendo mesmo espaços gradeados e inacessíveis ao público que visita a igreja.
É fantástico como, apesar de todos os acidentes que a destruíram parcialmente, a igreja conseguiu trazer até nós estes elementos medievais que permitem perceber como eram os hábitos funerários de tantos séculos atrás.



2.10.12

Crematório do Alto de São João

O nosso primeiro - e durante muitos anos único - crematório é o forno crematório do cemitério do Alto de São João.
Ainda em utilização, a história deste crematório mistura-se com a história do nosso país e é, mais uma vez, um excelente exemplo de como as práticas funerárias de uma sociedade conseguem ser uma fotografia quase perfeita desta e das crenças e limitações de quem nela vive.

A partir dos anos 70 do século XIX várias vozes se levantaram em defensa da criação de um forno crematório em território nacional.
Os argumentos usados no início do século para fundamentar a criação de cemitérios e descontinuar os enterramentos no interior das igrejas foram então reaproveitados para defender a cremação em detrimento da inumação.

Não deixa de ser curioso que apenas em 1912 é que, finalmente, foi aprovada a construção do crematório no cemitério do Alto de São João.
Considerando que a Igreja Católica é contra a cremação, naturalmente apenas depois da implantação da República, com os ventos ateístas trazidos pelas mãos de Afonso Costa, foi possível ter um crematório em Portugal.

Apesar disso, somente em 1925 o crematório entrou em funcionamento, depois de um vereador adepto da cremação ter procedido à aquisição do forno na Alemanha; apesar disso, segundo as estatísticas, os números de utilização foram muito reduzidos. Entre 25 e 36 foram apenas cremados 22 corpos e em 1936 o crematório deixou de funcionar.
No livro Cemitérios, Jazigos e Sepulturas de Vítor Manuel Lopes Dias é referido apenas que o crematório «não está presentemente [1963] em condições de funcionar.» sem mais explicações.
É de destacar que este trabalho foi publicado quando o Estado Novo ainda fazia censura de livros e textos, pelo que é preciso ter isso em conta quando se considera a falta de informação neste ponto.

É preciso recordar que a Igreja Católica era militantemente contra a cremação e o Estado Novo, nascido em 1933 com a instauração da Constituição de 32, estava completamente alinhado com a Igreja Católica e, por isso, não é de estranhar que o crematório do Alto de São João tenha sido desactivado, até ser recuperado em 1985, em parte por pressão da crescente comunidade Hindu.

 Actualmente, em Lisboa, existem três fornos crematórios, uma vez que ao do Alto de São João se juntaram mais dois no cemitério dos Olivais; para além destes, também existe um no cemitério do Prado do Repouso, no Porto, e outro em Ferreira do Alentejo, de construção particular (ainda que gerido pela câmara municipal).

Em breve uma pequena adenda com informação estatística sobre o fenómeno da cremação.