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9.12.16

Falecidos Famosos: Florbela Espanca

Ao entrar no cemitério de Vila Viçosa, guardado no interior do castelo, limitado pela muralha ameiada, o primeiro sepulcro que vemos é o da poetiza Florbela Espanca (Α:1894 - Ω:1930).

Nascida a 8 de Dezembro, viria a suicidar-se também a 8 de Dezembro, 36 anos depois.

Pelo caminho, uma vida cheia de tudo, mas principalmente cheia de dores que a marcaram profundamente: casamentos fracassados, crianças que nunca nasceram, a angustia da sociedade mesquinha e amores por cumprir e vários livros que ficam para sempre, como Charneca em Flor.


Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!  
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente! 
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar! 
E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar... 
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor" 


16.11.14

Inauguração de "Oraculum Mortuum: Um Tarot Tumular"

No passado dia 15 de Novembro, na El Pep Store & Gallery do Centro Comercial Imaviz Underground, decorreu a inauguração da exposição fotográfica Oraculum Mortuum: Um Tarot Tumular.
Contou com a participação musical de Charles Sangnoir de La Chanson Noire.
Apresentei as vinte e duas fotografias que compõem a série, contextualizando a imagem, a escolha e o local onde a fotografia foi tirada.

Para quem não conseguiu estar presente, pode ver o vídeo da minha apresentação dos vinte e dois Arcanos Maiores cemiteriais:




Mais surpresas em breve.

4.11.14

Oraculum Mortuum: Um Tarot Tumular


No próximo dia 15 de Novembro, na El Pep Store & Gallery no Imaviz Underground, pelas 18:00 horas, vai ser inaugurada a minha exposição de fotografia, intitulada "Oraculum Mortuum: Um Tarot Tumular" um trabalho conceptual sobre o Tarot.
Em vinte e duas imagens de contexto sepulcral, a preto-e-branco, tiradas em diversos cemitérios portugueses e estrangeiros, apresentam-se novos arcanos maiores que, mergulhados no mistério e no silêncio próprios dos cemitérios, prosseguem num feitio surpreendente a tradição pictórica do Tarot.
A exposição estará patente até 28 de Novembro e estão todos convidados, desde já, a aparecer na abertura no dia 15.

Entretanto, estamos a preparar mais algumas surpresas que iremos anunciando. Fiquem atentos!

2.10.12

Crematório do Alto de São João

O nosso primeiro - e durante muitos anos único - crematório é o forno crematório do cemitério do Alto de São João.
Ainda em utilização, a história deste crematório mistura-se com a história do nosso país e é, mais uma vez, um excelente exemplo de como as práticas funerárias de uma sociedade conseguem ser uma fotografia quase perfeita desta e das crenças e limitações de quem nela vive.

A partir dos anos 70 do século XIX várias vozes se levantaram em defensa da criação de um forno crematório em território nacional.
Os argumentos usados no início do século para fundamentar a criação de cemitérios e descontinuar os enterramentos no interior das igrejas foram então reaproveitados para defender a cremação em detrimento da inumação.

Não deixa de ser curioso que apenas em 1912 é que, finalmente, foi aprovada a construção do crematório no cemitério do Alto de São João.
Considerando que a Igreja Católica é contra a cremação, naturalmente apenas depois da implantação da República, com os ventos ateístas trazidos pelas mãos de Afonso Costa, foi possível ter um crematório em Portugal.

Apesar disso, somente em 1925 o crematório entrou em funcionamento, depois de um vereador adepto da cremação ter procedido à aquisição do forno na Alemanha; apesar disso, segundo as estatísticas, os números de utilização foram muito reduzidos. Entre 25 e 36 foram apenas cremados 22 corpos e em 1936 o crematório deixou de funcionar.
No livro Cemitérios, Jazigos e Sepulturas de Vítor Manuel Lopes Dias é referido apenas que o crematório «não está presentemente [1963] em condições de funcionar.» sem mais explicações.
É de destacar que este trabalho foi publicado quando o Estado Novo ainda fazia censura de livros e textos, pelo que é preciso ter isso em conta quando se considera a falta de informação neste ponto.

É preciso recordar que a Igreja Católica era militantemente contra a cremação e o Estado Novo, nascido em 1933 com a instauração da Constituição de 32, estava completamente alinhado com a Igreja Católica e, por isso, não é de estranhar que o crematório do Alto de São João tenha sido desactivado, até ser recuperado em 1985, em parte por pressão da crescente comunidade Hindu.

 Actualmente, em Lisboa, existem três fornos crematórios, uma vez que ao do Alto de São João se juntaram mais dois no cemitério dos Olivais; para além destes, também existe um no cemitério do Prado do Repouso, no Porto, e outro em Ferreira do Alentejo, de construção particular (ainda que gerido pela câmara municipal).

Em breve uma pequena adenda com informação estatística sobre o fenómeno da cremação.


12.8.12

Altar das Caveirinhas

Em território nacional existem várias capelas dos ossos, concentradas no Alentejo e no Algarve. 
Já aqui mencionámos algumas, como a Capela dos Ossos de Évora - a mais famosa capela dos ossos nacional, sendo ainda a de maiores dimensões - ou a capelinha de Alcantarilha.
Caveira manchada de fumo de vela    
 Capela de Alcantarilha





Para além das existentes abaixo do Tejo, há ainda registos que referem a existência de uma capela dos ossos a norte desse rio, na cidade de Coimbra, referenciada como sendo a mais antiga do nosso país, destruída no século XIX para dar lugar a uma nova estrada. 
Talvez não tivesse sido esse o único motivo que levou à destruição dessa capela, uma vez que estes locais repletos de ossadas, tão em voga nos séculos anteriores, foram sendo o palco principal de cultos das alminhas, em parceria com os painéis de azulejos ilustrados com anjos ou imagens de Morte ou da Ascensão aos Céus. 
Velas eram deixadas junto dos restos mortais dos antepassados, num misto entre a promessa, a prece e o pedido. Rezando para que os familiares e amigos conseguissem encontrar a paz ou, caso já o tivessem feito, intercedessem pelos vivos junto de entidades superiores para a concessão de favores e auxílio. 
O Culto das Alminhas do Purgatório teve uma expressão muito grande em Portugal, bastante superior a outros países católicos com comportamentos e culturas semelhantes à nossa.

Até há pouco tempo, esta era a única capela dos ossos a norte do Tejo de que tinha conhecimento. 
As principais fontes sobre esta temática apenas mencionavam a capela de Coimbra, no entanto, ainda que não fosse uma capela, existiu mais um destes Memento Mori a norte do Tejo; mais que isso, a norte do Douro.
Altar das Caveirinhas, circa 1909
Na antiga Igreja da Misericórdia da Póvoa do Varzim existiu um altar constituído por dezenas de pequenas caixas de madeira, empilhadas, contendo caveiras.

As caixas de madeira tinham molduras na frente, com desenhos simples e a identificação e datação dos restos mortais.
Em 1909 - um ano depois do regicídio e um ano antes da implantação da República - o altar, conhecido como Altar das Caveirinhas, foi desmantelado. Esse desmantelamento ocorreu num contexto de construção de uma nova igreja, em substituição da antiga.
Na realidade, devemos ter ainda em atenção outros factores, como a pressão exercida pela classe intelectual, sob a qual a necessidade de ruptura com os antigos costumes e crenças, associada à secularização da sociedade que seria advogada e seguida durante a Primeira República, teve muito peso na decisão; assim como a pressão dos elementos do clero, incomodados desde há anos pela conotação pagã associada ao culto das alminhas.
Talvez estes factores tenham também tido influência na destruição da capela de Coimbra, ainda que a justificação oficial seja a construção de uma nova estrada.
Historiadores e etnólogos - que, naturalmente, se opunham ao desmantelamento do altar - conseguiram realizar algumas fotografias e registos, antes da maioria dos restos mortais serem levados para o cemitério de Póvoa do Varzim.
Conseguiu-se ainda preservar algumas das caveiras - poucas - numa versão muito mais modesta deste altar, na chamada Casa das Caveirinhas, uma pequena e discreta capelinha junto da nova igreja. 
Também esta acabou por ser fechada nos anos 90 do século XX, acabado assim com os últimos vestígios do altar.
Um dos aspectos mais interessantes desta peça é a sua originalidade, não existindo - até ver - nada semelhante no nosso país.
Imagem do ossário de St. Hilaire, Marville, França
No entanto, como pode ser observado pela imagem, existe uma semelhança bastante grande entre as caixas do Altar das Caveirinhas de Póvoa do Varzim e as do ossário de St. Hilaire de Marville, em França. 
Em ambos os locais, a moldura frontal das caixas é ornamentada e contém texto que serve para identificar e datar os restos mortais nelas preservados.
Desconheço se teria existido algum contacto entre os residentes destes dois locais que possa ter servido de influência ou se estas caixinhas seriam comummente utilizadas para esta finalidade, apesar de tão poucas terem chegado até nós. Ainda assim, é de notar que existiu um surto de emigração das gentes da Póvoa do Varzim durante o século XIX, sendo que o dinheiro enviado por esses emigrantes permitiu a renovação de igrejas e retábulos durante a segunda metade do século XIX.
As caixinhas de caixinhas de St. Hilaire contêm caveiras de cidadãos que morreram entre 1780 e 1860. Algumas das datas que consegui perceber através de fotografias do Altar das Caveirinhas colocam as caveiras de Póvoa do Varzim como pertencentes a cidadãos que morreram nas décadas de 40 e 50 do século XIX.
Teriam alguns desses emigrantes partido para perto de Marville e pedido a construção deste altar, de acordo com o que vira por terras de França?

É ainda de realçar que, quer na Póvoa do Varzim, quer em St. Hilaire, as caveiras estão claramente identificadas.
Altar na Casa das Caveirinhas, circa 1996
E é esta uma das grande diferenças entre estas caixinhas de caveiras e os ossários e capelas dos ossos: a identificação versus o anonimato.
As capelas de ossos e ossários são constituídos por ossadas anónimas, que permitem - ainda hoje - que os vivos que as visitavam se sintam identificados com os restos mortais espalhados pelas paredes. 
Estas caveiras em caixinhas estão individualizadas, nomeadas, representam pessoas concretas, sendo que assim são sempre vistas como "outros" pelos visitantes: «esta era... esta foi...»
Será assim correcto ver nestes altares os mesmos objectivos da construções anónimas, que os precederam? 
Capela dos Ossos, Évora (detalhe)
Se considerarmos as datas de construção, podemos pensar nestas ossadas não anónimas como a evolução natural das capelas de ossadas anónimas, assim como estas são uma evolução dos carneiros e ossários primitivos?
Se pensarmos no contexto histórico, o cemitério velho da Póvoa do Varzim data de 1866, ou seja, é posterior à datação de morte das caveiras.
Seria interessante perceber a amplitude do intervalo de tempo de recolha das caveiras da Póvoa e compará-lo com o intervalo de St. Hilaire.
Serão estas caixinhas uma versão mais modesta das caixas de reliquias de santos, numa versão para o homem comum? A verdade é que, à semelhança do que era feito durante a Idade Média com as relíquias de santos, as caveiras destas gentes da Póvoa foram identificadas, guardadas em caixas quais relicários, colocadas num altar dentro da igreja e veneradas com velas e orações.

Sem dúvida que, caso tivesse sido preservado à semelhança das restantes Capelas dos Ossos nacionais, este Altar das Caveirinhas faria as delícias de historiadores, etnólogos e tafófilos, nacionais e estrangeiros.


Nota Final: Os meus agradecimentos à Dr.ª Deolinda Carneiro, Directora do Museu Municipal de Etnografia e História da Póvoa de Varzim, pela cedência das imagens do Altar e da Casa das Caveirinhas.

9.8.11

Vida e Morte em Portugal



Interessantíssimo documentário do início dos anos 90, parte da série Viagem ao Maravilhoso sobre as práticas de Morte em Portugal.
Contém imagens de núcleos museológicos dedicados à funerária, simbologia, etc.
Destaque para o cemitério e museu da Chamusca e a história da morte na Europa; menção à lenda referente às intervenções do fantasma de Sousa Martins em curas e sessões espíritas e à relação entre a Morte e as praticas populares do Carnaval e da Páscoa.


3.4.11

Jazigo dos Duques de Palmela - III

Fica no cemitério lisboeta dos Prazeres o maior jazigo privado da Europa. Iniciada a sua construção em 1846 e terminado em 1849, foi desenhado pelo arquitecto maçon Giuseppe Cinátti, segundo instruções de Pedro de Holstein (Α:1781 - Ω:1850), o primeiro duque de Palmela.

Inicialmente, o espaço reservado aos Palmela - familiares no interior do jazigo e seus empregados no pequeno jardim de acesso, inumados entre os frondosos ciprestes - situava-se no exterior do cemitério, em jeito de cemitério privado.
Provavelmente, as mesmas leis que obrigaram as ordens religiosas do Porto a fechar os seus cemitérios privados, e a comprar talhões dentro de Agramonte e Prado do Repouso, acabaram por levar os duques de Palmela a doar terreno à Câmara Municipal de Lisboa, de forma a garantir a integração do Jazigo Palmela no interior do contíguo Cemitério dos Prazeres. Em suma: mais do que passarem para o interior, os duques de Palmela conseguiram que o cemitério crescesse para junto deles.

Aparentemente imbuído de simbologia maçónica, o Jazigo Palmela tem a forma de uma enorme pirâmide - durante o século XIX, o revivalismo egípcio varreu toda a Europa (e América do Norte) não sendo de descartar o impacto que ele também teve na concepção do jazigo - assente sobre um cubo (se pensarmos no espaço ocupado pela cripta subterrânea).
Mas esta não é uma pirâmide perfeita: é uma pirâmide inacabada. O topo não termina num vértice - união das quatro faces, das quatro arestas - mas numa nova face, paralela à base da pirâmide. Recorde-se que uma das lendas maçónicas conta que o Mestre Hiram Abiff, responsável pela construção do Templo de Salomão, foi assassinado antes de completar a obra, deixando o templo inacabado.

Nessa face, no lugar onde é usual colocar-se uma Pedra Benben para concluir a pirâmide (ou o obelisco), encontra-se uma estátua, que alguns autores atribuem a Calmels.
Essa estátua é uma figura feminina, várias vezes identificada como sendo o Anjo da Morte ou da Boa Morte (dependendo dos autores consultados...), e é, provavelmente, uma das Sete Virtudes: neste caso a Fé, representada como sendo uma mulher carregando uma cruz.
É ainda de nota que a estátua agarra um livro e um conjunto de chaves: simbologia atribuída a S. Pedro, a quem Cristo entregou as Chaves do Paraíso.
Não deixa de ser curioso que, desta forma, a pirâmide do Jazigo Palmela acabe por ser rematada com uma cruz, o que acontece com todos os obeliscos de Roma, que a mando do Papa Sisto V, no século XVI, foram exorcizados de todos os demónios e purificados da sua simbologia maldita pelo acrescento dessas cruzes.

A magnifica construção ergue-se a Oriente, ocupando o último terço do espaço do talhão rectangular, de cota mais elevada do que os terrenos e construções que o rodeiam, limitado por um gradeamento de metal, constituído por peças repetidas em conjuntos de três, onde no centro de cada um se pode ver uma cabeça de leão (outro símbolo solar de inspiração maçónica).

Sete são os degraus que permitem chegar até ao portão. O número 7 é um dos três números mais importantes para a maçonaria; são eles o 3, o 5 e o 7; referências numerológicas aos três graus simbólicos de Aprendiz, Companheiro e Mestre.
Estes sete degraus representam ainda as sete Artes Liberais, que compunham o plano de estudos medieval, as sete idades do homem ou as Sete Virtudes Cardeais que conduzem ao auto-conhecimento, auto-domínio e auto-enobrecimento.

Entre o portão, que separa o talhão dos Palmela do restante cemitério, e os cinco degraus que dão acesso ao patamar de entrada no Jazigo, estende-se um tapete de irregulares pedras pretas e brancas, compondo doze losangos: certos autores especulam que o proverbial Templo de Salomão também apresentava pavimentos ou motivos decorativos formados pelo contraste de formas geométricas pretas e brancas, pelo que, ainda hoje, uma quadrícula de mosaicos brancos e pretos é o padrão comum do chão de muitos templos maçónicos.

Ladeando a passadeira preta e branca estão enterrados os empregados da família Palmela: mulheres do lado Norte e homens do lado Sul. Existem duas mulheres enterradas do lado Sul, todavia: talvez por desconhecimento do preceito maçónico que, inicialmente, assim distribuiu os lugares dos mortos; já que, na tradição maçónica regular, o Norte é a orientação reservada àqueles que ainda não capazes de ver a Luz, posto que o Sol, na sua trajectória de Oriente para Ocidente, não brilha no Norte. À vista disso, é frequente as lojas maçónicas não terem quaisquer janelas viradas para Norte.

No interior do Jazigo somos recebidos por um magnifico trabalho do celebrado Canova, talhado em mármore de Carrara: é o cenotáfio do 1º Duque de Palmela que, como já referimos, se encontra enterrado em Roma.

No centro da capela, iluminadas pela luz que entra por duas janelas, um par de magnificas peças escultóricas de Teixeira Lopes tomam conta do espaço, construidas por ordem do 3º Duque de Palmela.
Uma dessas peça tem um cunho claramente inacabado, mostrando mãos pesadas, grossas e pouco trabalhadas, numa figura feminina de traços perfeitos. São várias as interpretações que essas mãos inacabadas suscitam: há quem considere que ficaram propositadamente inacabadas e há quem defenda que o autor não conseguiu concluí-las.
Considerando a qualidade e beleza de toda a peça, mais a minúcia com que estão trabalhadas as mãos das restantes personagens, tenho dificuldade em acreditar que Lopes deixasse esta imperfeição de modo intencional, mas Moita Flores, por exemplo, no livro Cemitérios de Lisboa: Entre o Real e o Imaginário, justifica-a com base na morte do escultor.

Antes de descer à cripta é possível observar um trabalho de Célestin Calmels capaz de tirar a respiração. Outra figura feminina, ao lado do pequeno altar da capela carregado de castiçais dourados e um Bíblia aberta, está uma porta fechada onde uma perfeita mulher de mármore parece carpir a morte do jovem filho da Duquesa de Palmela.
O drapeado da túnica que envolve a mulher é fluido e parece capaz de se mover com o nosso toque.

Descidos os três degraus que nos conduzem à câmara principal da cripta, aguarda-nos um espaço pequeno, que um tecto amarelo torrado com inúmeras papoilas dormideiras pintadas a azul - símbolo do sono eterno, da eternidade - faz parecer ainda mais pequeno. Em redor dessa câmara, abre-se um corredor que a contorna, apresentado doze nichos rasgados na pedra que conservam os caixões que contém os restos mortais da família Palmela.

Visitar o Jazigo Palmela é uma experiência única. Recomenda-se vivamente.




27.2.11

Cemitério de Agramonte


Durante o final do século XVIII, e o inicio do século XIX, uma verdadeira revolução varreu a Europa - e os locais habitados por europeus -, no que diz respeito à forma como a Morte era vista e gerida.

A maioria dos enterramentos eram feitos dentro das igrejas ou nos seus adros, causando graves problemas de saúde; ainda assim, e mesmo confrontados com a realidade do cheiro dos cadáveres em decomposição, que obrigavam as portas das igrejas a ficarem abertas todo o dia e toda a noite, os populares portugueses tentaram resistir valentemente à criação e utilização de cemitérios.
A situação foi de tal momo extrema que deu origem à conhecida revolução minhota da Maria da Fonte, que acabou por descer pelo país e mergulhá-lo em guerra civil, durante alguns meses.
A verdade é que, em 1835, os cemitérios públicos tornaram-se obrigatórios e único sitio possível para inumação.

Na verdade, Lisboa e Porto tinham já cemitérios públicos desde 1833, devido a uma terrível praga de cholera morbus que assolou essas cidades. Para além disso, e no caso específico da cidade do Porto, um cerco levado a cabo por tropas miguelistas causou um situação de salubridade extrema.
Foi necessário encontrar uma forma de proteger os vivos dos miasmas exalados pelos corpos em putrefacção. Foi criado o cemitério da Lapa (privado) e o do Prado do Repouso.

Em 1855, um novo surto de cholera morbus obriga ao fecho dos cemitérios privados das diversas ordens religiosas da cidade e à criação de mais um cemitério público. Agramonte é um cemitério "improvisado", criado para inumação de coléricos e tendo uma capela construida rapidamente com madeira.
A população, tendo possibilidade de escolha, elege o cemitério do Prado do Repouso como preferencial construindo belos monumentos e deixando Agramonte estagnado durante algum tempo.
As ordens religiosas, obedecendo a preceitos internos, procuram forma de manter espaços de enterramento individualizados e conseguem, no processo complexo, começar a adquirir amplos talhões nos cemitérios públicos.

Ao perceber o estigma que pairava sobre o cemitério de Agramonte, este é reestruturado em 1869, numa tentativa de torná-lo mais atractivo.
Entretanto, o cemitério da Lapa, construído num terreno pequeno, e apertado por edificações diversas que o impediam de ser alargado, deixa de ser opção para os mais ricos, ansiosos por construir monumentos faustosos, marcando para a posteridade a sua importância em vida. É necessário encontrar outros terrenos com capacidade de construção e, apesar do Prado do Repouso ser o inicialmente eleito como novo lugar para os defuntos da elite portuense, o prestigio das ordens com talhões privados em Agramonte (S. Francisco, Trindade e Carmo) torna-o , no final do século XIX, no espaço mais desejado como ultima morada.

A estatuária é rica e variada, sendo possivel encontrar nele algumas das mais originais peças cemiteriais existentes no nosso país.

É ainda de notar que uma das grandes diferenças entre os cemitérios do Norte e do Sul, para além de nos primeiros predominarem as cruzes e outras simbologias católica, é o material utilizado na construção de mausoléus. Ao sul, o branco e liso da pedra calcária torna os cemitérios locais cheios de luz; no norte, a utilização de granito, áspero e cinzento, torna-os mais sombrios e solenes, emprestando-lhes mais facilmente um ambiente de luto, muito adequado.

Como ponto de referência, o cemitério de Agramonte fica situado junto à rotunda da Boavista, um dos pontos nevrálgicos da cidade. Merece uma visita. Ou duas...