Quando, com apenas trinta e três anos, Eva Perón (Α:1919 - Ω:1952) sucumbiu ao cancro, Juan Perón temeu o efeito que o desaparecimento dela teria junto do povo argentino e, tendo a noção do decisivo papel da sua esposa para o manter na presidência, decidiu fazer o possível por conservá-la.
Eva Perón tivera um papel essencial durante todo o processo de eleição do marido, em 1946, e o seu apoio às classes mais pobres - os chamados descamisados - garantiu-lhe um papel quase divino junto das massas que, carinhosamente, a apelidaram de Evita.
A Primeira Dama da Argentina era idolatrada pelo povo e a sua morte foi um choque e enfraqueceu o poder do marido. Sem Evita, Péron era apenas mais um presidente.
Logo que Evita morreu, Perón mandou chamar o médico Pedro Ara, cuja apetência para embalsamar e preservar cadáveres era célebre no país, e pediu-lhe que garantisse que o corpo de Evita nunca fosse vitima de decomposição.
Pedro Ara - que normalmente viajava na companhia de uma cabeça embalsamada como prova das suas capacidades de taxidermista - usava uma curiosa técnica com excelentes resultados: substituía o sangue dos cadáveres por glicerina, o que permitia preservar todos os órgãos, incluindo o cérebro e, posteriormente, mergulhava o corpo em várias soluções de nitrato de potássio e plástico transparente.
Ara decidiu preparar e tratar o corpo em duas fases: a primeira, rápida, permitiria evitar os sinais mais imediatos da decomposição e manter o corpo em exposição durante alguns dias, de forma a garantir que o povo teria oportunidade de despedir-se de Evita; a segunda, mais demorada e definitiva, permitiria manter o aspecto de Evita, de acordo com o que esta tinha em vida e não tinha prazo de validade.
Era precisamente isso que Perón desejava, uma vez que pretendia manter Evita em exposição num monumento criado para o efeito; a adoração pela sua mulher considerada a líder espiritual da nação e o seu papel de viúvo extremoso permitir-lhe-ia manter parte da aura que Evita lhe emprestava, mesmo estando morta.
O monumento seria em Buenos Aires, maior que a Estátua da Liberdade e no seu interior o corpo perfeitamente conservado de Evita estaria em exposição todos os dias do ano.
Terminada a primeira fase do processo de embalsamamento, Evita foi colocada em câmara ardente por quinze dias. Pensa-se que passaram junto do caixão coberto por vidro cerca de dois milhões de pessoas.
Ara regressou ao trabalho e, cerca de um ano após a sua morte, o cadáver perfeitamente embalsamado de Evita foi colocado em exposição ao público no seu antigo gabinete de trabalho, aguardando a construção do monumento onde seria guardado.
O processo custou a Péron perto de 100 mil dólares
Em 1955, quando o monumento era ainda apenas um enorme buraco no meio de um parque, Péron foi afastado do poder por um golpe militar e fugiu da Argentina, abandonando o cadáver de Evita.
Os militares, que pretendiam destruir todas as recordações do casal Perón e das suas políticas, foram confrontados com a posse do corpo embalsado de Evita.
Inicialmente pensaram que se tratava de uma estátua de cera e planearam queimar o objecto, no entanto, numa tentativa de validação dessa teoria, e após várias sessões de radiografias consideradas inconclusivas, a Junta Militar Argentina acabou por cortar um dos dedos à figura e constataram que se tratava, de facto, do cadáver preservado da Líder Espiritual da Nação.
Por respeito às leis católicas ou, mais provavelmente, por superstição, decidiram esconder o cadáver em vez de o destruir: colocaram Evita num caixote de madeira nas traseiras de um camião e partiram para o interior da Argentina, tentando encontrar um local onde deixar esquecido o corpo. Mas estranhamente, os descamisados de Evita pareciam saber sempre onde a encontrar e, logo que era escolhido um espaço, começavam a aparecer velas e flores junto das entradas, colocadas pelos seguidores da esposa do ex-líder.
Durante dois anos, o corpo de Evita viajou semi-incógnito pela Argentina, diz-se que sendo sempre presenteado com flores, velas e outros objectos de adoração e reverência.
Várias histórias são contadas relativamente a este período de dois anos; num dos casos, Evita estaria escondida em casa de um major do exército que, preocupado com possíveis tentativas de roubo, acabou por disparar uma arma sobre o que pensou ser um ladrão apoiante de Perón, acabando por matar a própria esposa.
Numa altura em que era proibido ao povo argentino ter até fotografias do casal Perón em casa, a situação acabou por ser resolvida de outra forma. Fechou-se Evita num caixão e arranjou-se a documentação necessária para conseguir a inumação de "María Maggi", uma imigrante italiana a residir na Argentina, numa cripta do cemitério Monumentale de Milão.
E foi aí que Evita ficou, incógnita, até 1971.
Desde 1970 que Juan Perón e a sua terceira esposa, Isabel, se encontravam a residir em Madrid.
A instabilidade política e o descontentamento na Argentina acabaram por levar um grupo de guerrilheiros a raptar e executar Pedro Aramburu, presidente em funções, por crimes contra o povo. Quanto à possibilidade de devolverem o corpo de Aramburu à sua família, os guerrilheiros decidiram pedir como moeda de resgate a devolução do corpo de Evita ao povo argentino.
Face a esta situação, o advogado de Aramburu abriu a documentação que o seu cliente lhe deixara e entre os papeis encontrou um conjunto de pistas que lhes permitiu descobrir que Evita estaria enterrada em Milão.
Rápida e secretamente, numa colaboração entre as autoridades argentinas, italianas, francesas e espanholas, o cadáver foi exumado e transportado numa carreta funerária até Madrid, onde foi entregue a Juan Perón. Aguardando o cadáver estava o também exilado Pedro Ara que, com muita satisfação, constatou que o corpo estava magnificamente preservado. Apenas algumas rachas no plástico exterior e o nariz amassado eram prova dos dezasseis anos em que o corpo esteve desaparecido. Com excepção do dedo desaparecido e nunca recuperado, Ara rapidamente devolveu Evita à sua beleza inicial.
Evita permaneceu em Madrid até à morte de Perón em 1974. Este havia regressado à Argentina no ano anterior, deixando Evita na cidade espanhola, mas até aí, mantinha o cadáver da ex-mulher na sala de jantar, em exposição. São várias as testemunhas que participaram em jantares nessa sala, na presença de Evita.
Mais uma vez, os guerrilheiros argentinos decidiram raptar o cadáver do anterior presidente Aramburu e, mais uma vez, pediram o regresso de Evita.
Evita regressou ao solo argentino em Novembro de 1974.
Aguardando a construção de um novo monumento, o corpo de Evita e Perón ficaram em exposição até um novo golpe militar derrubar o inexperiente governo de Isabel (esposa de Perón).
Desta vez, Evita foi entregue à família e, com o apoio do governo, fechado numa cripta subterrânea sob o mausoléu dos Duarte no elegante cemitério de La Recoleta.
Perón, entretanto também embalsamado, foi depositado num cemitério nos arredores de Buenos Aires, no túmulo do seu avô. Apertadas medidas de segurança - que incluíram guardas, vidro à prova de bala e múltiplas fechaduras - não conseguiram impedir, em 1987, que a câmara mortuária fosse invadida e a espada cerimonial com que tinha sido enterrado fosse furtada; mais grave que isso, os ladrões deceparam e roubaram as mãos do antigo presidente.
Alguns dias depois enviavam a nota de resgate: oito milhões de dólares por, diziam, "serviços prestados em 1972".
Apesar da situação ter causado indignação generalizada, ninguém tentou angariar os fundos necessários para resgatar as mãos de Perón pelo que, se assume, os ladrões levaram a cabo a promessa de "pulverizar" as mãos de Perón.
Evita continua no magnifico cemitério de La Recoleta, onde é visitada diariamente por centenas de pessoas que lhe deixam flores e se fazem fotografar junto do mausoléu.
A acreditar em Ara, estará tão bonita e perfeita como sempre.