15.9.23

«Casa de Autópsias»: do modelo parisiense ao cemitério enquanto substituto da Morgue na Lisboa de Oitocentos

Há uns anos atrás descobri que, na Paris do século XIX, se visitava a Morgue da cidade como quem vai ao teatro ou ao jardim.

Fiquei fascinada com o tema e fui comprando livros e procurando fontes e até escrevi um pequeno texto aqui para o blog

Em 2021 e 2022 tive a oportunidade de investigar o tema com maior profundidade, procurando também a resposta lisboeta para os problemas que eram endereçados pela Morgue de Paris.

Escrevi um artigo que é agora publicado no segundo número da Revista RomantHis, uma revista científica de acesso aberto sobre o Longo Século XIX no Mundo Português, entendido num sentido lato, enquadrando quatro grandes vertentes: História, Arte, Cultura e Património.

A revista é uma publicação periódica digital é da responsabilidade do Grupo "Saudade Perpétua" e propriedade da HistóriaSábias - Associação Cultural, coordenada por Francisco Queiroz (director), Cristina Moscatel (directora adjunta).


Podem ler o meu artigo «Casa de Autópsias»: do modelo parisiense ao cemitério enquanto substituto da Morgue na Lisboa de Oitocentos seguindo esta ligação.

Este é ainda um tema em desenvolvimento e com várias linhas de investigação em aberto, mas o meu artigo pretende, desde já, ajudar a olhar para os cemitérios de outra forma e a procurar mais pistas e informações.

Espero que gostem.


23.5.23

O Crime dos Prazeres

A 21 de Maio de 2023 assinala-se o centenário da morte do 9.º Conde de Sabugosa: António Maria Vasco de Melo Silva César e Meneses, escritor, historiador, diplomata e mordomo-mor da Casa Real portuguesa. Figura incontornável das letras portuguesas na passagem do século XIX para o XX, integrou o grupo Vencidos da Vida (tendo sido até o penúltimo elemento a falecer, poucas semanas antes do poeta Guerra Junqueiro), expirando aos 71 anos.
O funeral foi agendado para o dia seguinte no cemitério dos Prazeres, para o jazigo particular n.º1587 (construído em 1866) – o mesmo que albergou temporariamente em 1915 os restos mortais de Ramalho Ortigão, outro Vencido da Vida, enquanto a família deste mandava construir o jazigo que agora o acolhe no cemitério do Alto de São João. 
Esperava-se uma enchente no cemitério dos Prazeres para o funeral do Conde de Sabugosa e o polícia a quem foi confiada a tarefa de manter a ordem durante a cerimónia diria depois ao jornal O Século que um pressentimento o levara a pedir reforços à esquadra da Estrela, que lhe enviara os polícias de piquete. 

Arquivo Fotográfico do jornal O Século
Torre do Tombo 
Perto das 17:00 horas, já terminada a cerimónia e quando muitos dos acompanhantes se retiravam, aconteceu o impensável: o silêncio murmurante do cemitério foi rasgado por três tiros de pistola. Na altura, houve quem dissesse terem sido cinco, mas foram três – suficientes para matar um homem. 
Por entre as sombras dos ciprestes, encoberto pelos jazigos e perscrutando a multidão, António Nunes Canha aguardara Adolfo do Couto Viana, o gerente da fábrica da Companhia União Fabril (CUF) nas Fontaínhas, que tinha ido ao funeral do Conde de Sabugosa em representação de Manuel José de Melo: director da CUF e sobrinho do falecido. Pouco tempo antes, Nunes Canha fora despedido por Adolfo Viana; no dia do funeral, vendo-o passar a caminho do cemitério, seguiu a carruagem e decidiu recorrer à violência. Por entre gritos e corridas, Adolfo Viana perdia a vida, sangrando no chão sagrado do cemitério. 
Talvez em choque por ter tido sucesso no atentado, Nunes Canha deixou-se agarrar pelos polícias que escoltavam o cortejo fúnebre, sendo levado para o interior do edifício da administração do cemitério, junto do portão principal, enquanto a multidão regressava, irada, apercebendo-se do que se passara no cemitério. O corpo inerte de Adolfo Viana, que o Dr. Melo Breyner – também presente no funeral – declarou morto, indignava a multidão, que gritava pelo assassino, apelando à justiça popular. 

Arquivo Fotográfico do jornal O Século
Torre do Tombo 
O fotógrafo do jornal O Século que registou a procissão fúnebre e a entrada do caixão no cemitério teve autorização para entrar na sala onde Nunes Canha esperava com a polícia e fotografou-o, com uma expressão entre a ausência e a estupefacção: «Tanto me faz. Façam de mim o que quizerem» , reporta ter-lhe dito o criminoso quando pediu para o fotografar. Cerca de uma hora e meia depois, quando finalmente a multidão dispersou o suficiente para saírem com segurança do edifício da administração do cemitério, o fotógrafo captou o momento em partiram em direcção à cadeia do Limoeiro. O cocheiro de Adolfo Viana ainda deitou as mãos ao autor do atentado com ganas de o esganar, mas a polícia evitou-o. 
Nesse mesmo dia, na Câmara de Deputados, Paulo Cancela de Abreu, que estivera presente no funeral e por isso chegou a meio da sessão, declarou ter presenciado «o vil atentado contra o gerente da Companhia União Fabril, que o vitimou» . O seu depoimento causou sensação na câmara e o Crime dos Prazeres, como popularmente ficou conhecido, ficou ainda associado a outra situação de violência, quando à porta do Parlamento um soldado da Guarda Republicana atacou o deputado Carvalho da Silva. 
O resultado destes acontecimentos inesperados foi o de as reportagens das exéquias do Conde de Sabugosa terem sido reduzidas para dar espaço ao relato do atentado, aos detalhes sobre a vítima, sobre a vida do assassino e os seus antecedentes criminais. E, claro, dois dias depois reportava-se um novo funeral: Adolfo Viana, abatido no funeral anterior, seguindo da igreja de São Domingos para o jazigo de família no cemitério do Alto de São João. O destaque dado pelos jornais foi para a multidão que se juntou em torno da igreja, nas ruas adjacentes e para a presença notória de muitos operários. 

Arquivo Fotográfico do jornal O Século
Torre do Tombo 
Num período conturbado, com greves, atentados e bombas, o crime foi lido como um atentado político, uma afirmação ideológica. Os ânimos exaltaram-se com um assassinato perpetrado em público num cenário e um momento completamente inesperados – um cemitério e no final de um funeral. Discutiu-se a culpa de Nunes Canha e o impacto que o seu despedimento havia tido na sua conduta. Houve, inclusivamente, alguns discursos que quase procuravam justificar o acto de Nunes Canha com o seu despedimento. Nos dias que se seguiram recuperou-se o passado sindicalista do autor dos disparos e o seu papel na organização da Associação de Classe do Pessoal da União Fabril e na criação e presidência do Sindicato das Associações Rurais do Ribatejo. Até se recordou uma anterior tentativa de assassinato, quando quatro anos antes, durante a greve dos metalúrgicos, Nunes Canha atentara contra um industrial na Rua da Junqueira (acabando absolvido pelo tribunal depois de dois anos de prisão). E o caso foi-se arrastando nos tribunais, sem desfecho. 

Arquivo Fotográfico do jornal O Século
Torre do Tombo 

Sabemos que em 1925, dois anos depois do sucedido, o caso continuava por julgar no tribunal da Boa Hora por incapacidade de assegurar o número suficiente de jurados para formar um júri. Nunes Canha terá sido sentenciado ao degredo em África (de onde regressou, temporariamente, em 1942, por motivos de saúde), facto atestado por uma circular escrita por seus correligionários que procurava apoio financeiro que lhe permitisse continuar na metrópole, mas perdemos-lhe o rasto. 


O caso do Crime dos Prazeres é único em Portugal, corporizando um assassinato premeditado, perpetrado no interior de um cemitério, após um funeral.


13.4.23

Boletim Cultural dos Cemitérios de Lisboa - Número 1

Esta semana chegou o novo número do Boletim Cultural dos Cemitérios de Lisboa.

Entre o conjunto de artigos variados e de conteúdo muito interessante - sempre cemiterial, obviamente - podem encontrar o meu artigo preliminar Casas Económicas e Prédios de Rendimento: O Bairro do Estado Novo, precisamente sobre este conjunto de construções no cemitério do Alto de Sáo João, em Lisboa, mas cujas características podem ser encontradas em construções funerárias um pouco por todo o país.


Podem aceder ao Boletim Cultural dos Cemitérios de Lisboa a partir deste link.


5.2.23

A Casa Portuguesa nos Cemitérios no GetLisbon

 A fantástica página GetLisbon, que se dedica a partilhar os aspectos mais peculiares de Lisboa desde 2017 - se ainda não seguem nas redes sociais nem recebem a newsletter por email, cliquem aqui e vão até lá - convidou-me para escrever um texto sobre A Casa Portuguesa nos Cemitérios, uma temática a cujo estudo me dedico há já alguns anos.

Passem por lá e leiam. 


Obrigada pelo convite!