11.8.11

Máscaras Mortuárias

Em 1270, morreu na Tunísia o rei francês Luís IX. Estando ele a participar na oitava cruzada, acompanhado de militares e de toda a corte, foi uma procissão enlutada que, no ano seguinte, iniciou o regresso a França.
Na procissão seguia o novo rei Filipe III, filho do falecido, e a sua esposa, Isabella de Aragão.
Ao reiniciarem a marcha, após uma paragem na Calábria, Isabella caiu do cavalo; estando grávida de seis meses, a queda provocou um aborto e ela também acabou por falecer, passados poucos dias.
O rei, duplamente enlutado, mandou erguer um mural no local em que Isabella falecera, onde uma figura de mulher, ajoelhada, reza perante uma imagem da Virgem com o Menino.
O trabalho é esculpido e não pintado, como era mais comum, mas é no rosto da figura que recai a nossa atenção.
Para além desta se encontrar de olhos fechados na presença da Virgem e do Menino, o que é invulgar, o rosto está estranhamente inchado e é rasgado por uma enorme cicatriz.
Uma das hipóteses levantadas para estas particularidades é a possibilidade do escultor ter trabalhado com base numa máscara mortuária da rainha, feita logo após o falecimento.
A ser verdadeira, esta hipótese data as primeiras máscaras mortuárias como sendo artefactos criados no século XIII e não no século XV, como é aceite.
Foram várias as vozes que se levantaram contra a hipótese, explicando que não só as máscaras de cera ou gesso não eram utilizadas nessa altura, como elas só se popularizaram dois séculos depois. A existência de uma cicatriz foi explicada como tendo origem num defeito da pedra que foi utilizada para a escultura.

A busca da imagem realista, iniciada no século XIII, irá ser um dos factores que difundirá o uso das máscaras mortuárias nos séculos XV e XVI, uma vez que permitem preservar a imagem realista do morto e, consequentemente, a realização de retratos e estátuas capazes de captar a sua imagem em vida: assim, ao contrário das imagens macabras e, por vezes, quase satíricas, usadas em representações da Morte, nas quais os esqueletos e a putrefacção dos corpos fazem parte da dance macabre com o objectivo de funcionarem como um memento mori, a utilização das máscaras mortuárias tem como objectivo permitir aos artistas a simulação da vida.

A partir do século XV, a realização de moldes de cera ou gesso a partir dos rostos dos mortos,vai ser um hábito comum por toda a Europa, especialmente porque vai também existir uma evolução cultural que esconderá os corpos e terá um impacto directo nas praticas fúnebres, levando ao uso regular de caixões.
Esta ocultação do cadáver levou à necessidade de criar uma representação do morto, o mais próxima possível daquilo que ele foi em vida, para colocar sobre o caixão.
Estas representações eram feitas em madeira ou cera e os artistas recorriam a máscaras mortuárias feitas a partir de moldes criados imediatamente a seguir à morte.
No entanto, mais do que responder a uma necessidade prática, a criação destas máscaras mortuárias respondia a um impulso natural para a preservação da imagem do morto.

Depois da morte de Chopin, chamou-se imediatamente o escultor Clesinger - artista responsável pela estátua de pedra que adorna a campa do compositor no cemitério de Père Lachaise -, para que fizesse um molde do rosto e mãos do artista, no sentido de serem reproduzidas não só em gesso com em bronze.
Para além das máscaras mortuárias de pessoas famosas, foram também realizadas máscaras de pessoas desconhecidas, com o objectivo de, por exemplo, conseguir-se identificar os cadáveres mais tarde, mesmo quando estes seriam já irreconhecíveis.

Um desses casos ficou famoso e a imagem da Desconhecida do Sena chegou até nós.
Reza a lenda que no final dos anos oitenta do século XIX foi encontrada no Sena uma jovem mulher cujo corpo não apresentava indícios de assassinato ou acidente, pelo que se considerou um suicídio.
Diz-se que a beleza da jovem, a perfeição do rosto e o misterioso sorriso deixaram o patologista de Notre Dame surpreendido e levaram-no a recorrer a um artista de moldes para a realização de uma máscara mortuária que, sem ele imaginar, se tornaria no rosto do início do século XX.
Existem outras versões sobre a origem da máscara, que transformam esta jovem mulher na filha de um artista de moldes alemão, por exemplo.
Seja qual for a verdadeira origem deste molde, no final do século XIX (quando era moda comprar para ter em casa, como bibelots, máscaras mortuárias de personalidades famosas), poucas - ou nenhumas! - eram máscaras de mulheres. Logo, a Desconhecida do Sena deu rapidamente nas vistas entre os rostos masculinos, pendurados nas paredes das lojas de moldes, e tornou-se o rosto obrigatório nas salas-de-estar da burguesia francesa.
Eventualmente, atravessou fronteiras e fez também grande sucesso na Alemanha, tornando-se num modelo a copiar - reza a lenda que até actrizes, como Elisabeth Bergner, viram na Desconhecida do Sena um ideal de beleza.
Poetas, pintores, escritores e outros artistas namoraram o rosto da Desconhecida do Sena e inventaram-lhe biografias maravilhosas e terríveis.
Quando, nos anos cinquenta do século XX, o fabricante de brinquedos norueguês Asmund Laerdal - obcecado com salvamentos, primeiros-socorros e ressuscitação, desde que a sua filha de dois anos morrera afogada - decidiu fazer um boneco, de forma humana e tamanho real, para os nadadores-salvadores e os socorristas praticarem técnicas de salvamento, foi a máscara mortuária da Desconhecida do Sena que lhe serviu de rosto: conhecida como Resusci Anne, ainda está em uso nas aulas contemporâneas de primeiros-socorros.

No século XIX, a chegada do daguerreótipo tornou obsoletas as máscaras mortuárias, dando lugar às fotografias post mortem que também tentavam simular a vida.
As máscaras mortuárias ainda foram utilizadas no século XX: por exemplo, depois do suicídio de Heinrich Himmler, por ingestão de uma cápsula de cianeto, escondida num dente molar, os agentes dos Serviços Secretos Britânicos fizeram-lhe uma máscara mortuária como prova da sua morte.

Termino, deixando um link onde se dão alguma dicas sobre como fazer máscaras mortuárias. Neste caso, os autores do artigo propõem que estas sejam feitas com recursos a modelos vivos.
A técnica é exactamente a mesma; a única diferença é que, no caso dos modelos vivos, é necessário garantir que o modelo consiga respirar quando lhe é aplicado o gesso...


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