19.4.11

Fernão Teles de Meneses Desemparedado

No rescaldo da visualização do documentário A Cidade dos Mortos, que nos apresenta a realidade de um milhão de habitantes do Cairo, que vive entre os mortos no maior cemitério da cidade, acabei por encontrar uma notícia curiosa: em Lisboa, em meados do século XX, um funcionário da Universidade de Lisboa partilhava o quarto com Fernão Teles de Meneses, ou, melhor, com o seu túmulo.

Fernão Teles de Meneses (Α:1530 - Ω:1605) foi o 28º Governador da Índia. Quando morreu, Maria de Noronha, sua esposa, mandou construir um magnifico túmulo, em mármore rosa e assente em majestosos elefantes indianos, esculpidos em mármore negro.
Seguindo as indicações deixadas em testamento, o túmulo de Teles de Meneses foi levado para a igreja do Noviciado da Cotovia, construído na antiga Quinta do Monte Olivete, por ele doada à Ordem dos Jesuítas, em 1598.

No século XVIII, o Marquês de Pombal expulsou os jesuítas e transformou o Noviciado da Cotovia no Colégio dos Nobres, mas o túmulo de Teles de Meneses foi deixado no seu lugar.

É apenas em meados do século XIX, quando o Colégio dos Nobres se transforma na Escola Politécnica, e as obras e objectos que se encontravam na igreja se dispersam, que o enorme e pesado túmulo de Teles de Meneses acaba por ser deixado num canto das cavalariças.

Mais tarde, as cavalariças foram adaptadas e transformadas em residências para os funcionários da Faculdade de Ciências, mas o túmulo continuou no mesmo local, passando a fazer parte de uma dessas residências: um dos novos moradores partilhou um quarto com os restos mortais de Teles de Meneses.

Esta era uma situação desagradável, que o funcionário reportou repetidas vezes por escrito à direcção da Faculdade, pedido que o túmulo fosse removido.
Aparentemente, a direcção nunca encetou nenhuma acção de despejo a Teles de Meneses e o funcionário remediou-se, construindo uma parede de tabique em frente ao túmulo, emparedando-o - ao melhor estilo de uma história de Edgar Allan Poe.
Isto aconteceu em 1954.

No passado dia 9 de Abril, no âmbito da celebração do centenário da Universidade de Lisboa, e considerando que a residência se encontra já desabitada, foi levado a cabo o desemparedamento do túmulo; do qual existia apenas um desenho e que ninguém via há mais de 50 anos.

O túmulo encontra-se em excelente estado de conservação e irá ser limpo e recuperado, de modo a vir a ocupar um local de destaque, à entrada do Museu Nacional de História Natural.

O túmulo tem uma forma piramidal que invoca as formas dos túmulos Egípcios ou Hindus - o que não surpreende, considerando a biografia de Teles de Meneses.
Os elefantes têm diferentes significados, mas num contexto funerário considera-se que representam longevidade, prosperidade, eternidade e felicidade.
Actualmente, são muitas vezes utilizados para marcar os túmulos de exploradores e aventureiros; um significado que poderá ter origem em túmulos como este, de homens que, com efeito, viajaram para locais longínquos e exóticos, e que, ao regressarem, trouxeram consigo este tipo de simbologia.

No extenso e bem conservado epitáfio do túmulo pode ler-se:
Aqui jaz Fernão Teles de Meneses filho de Bras Teles de Meneses, Camareyro mor e Guarda mor e Capitão dos Ginetes, q foi do Iffãte D. Luis, e de D. Catarina de Brito sua molher, o qual foy do Cõselho do Estado D`El Rey nosso Sõr. E governou os Estados da India e o Reyno do Algarve e foy Regedor da justiça da casa da suplicação e Presidente do Conselho da India e partes ultramarinas. E a sua molher D. Maria de Noronha filha de D. Frãcisco de Faro Vedor da fazenda dos Reys D. Sebastião e D. Anrique, e de D. Mesia de Albuquerque sua primeyra molher: os quais fundaram e dotarão esta casa da Provação da Compª de Jesu, e tomarão esta Capella mor pêra seu iazigo. Falleceo Fernão Teles de Mñs a XXVI. De Novº de M.D.C.V. e de Mª de Nr. A VII de Março de MDCXXIII.
É uma excelente iniciativa, a do desemparedamento, recuperação e exposição desta peça de arte funerária portuguesa, que, sem dúvida, vai enriquecer o acervo do museu.

Podem ler artigos sobre o desemparedamento no blog Smobile (escrito por uma das pessoas que esteve presente na cerimónia, no dia 9 de Abril) e no blog SOS Lisboa.



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