3.8.11

Livro: Sobre a História da Morte no Ocidente

Sobre a História da Morte no Ocidente desde a Idade Média é um livro que recomendo sem hesitações; composto por um conjunto de comunicações e ensaios escritos pelo historiador e medievalista francês Philippe Ariès (Α:1914 - Ω:1984), este livro, publicado em França em 1975, já vai na 4ª edição portuguesa, pela Teorema.

Neste trabalho, Ariès define quatro diferentes posturas da sociedade em relação à Morte e caracteriza-as detalhadamente através de exemplos.

Começa por apresentar-nos aquilo que ele designa por Morte Domesticada, a prática reinante durante a primeira Idade Média em que não só o moribundo tinha conhecimento do seu final próximo como o preparava cuidadosamente, reunindo amigos e familiares em torno do leito de morte e fazendo o seu testamento.

Ainda que tenham existido alterações ao longo dos tempos, é a partir dos séculos XI e XII que esta Morte Domesticada se transforma na Morte de Si Próprio; se até então o homem concebia a morte como a passagem para um estádio onde deveria residir até à chegada do Juízo Final - onde as suas acções em vida seria analisadas, pesadas e lhe seria então atribuída a eternidade no Paraíso ou no Inferno - nesta fase passa a conceber que esse juízo e decisão ocorrem no momento da morte.
As pestes que grassaram pela Europa durante a Idade Média acabaram por levar à criação dos Ars Moriendi - a Arte de Bem Morrer - publicados nos séculos XV e XVI.
Também é interessante perceber as alterações que vão sucedendo aos rituais fúnebres durante a Idade Média, uma vez que estes passam de laicos a terem uma intervenção cada vez maior por parte da Igreja, com a criação da Missa de Corpo Presente, por exemplo, ou o acompanhamento dos funerais por padres, frades e outros elementos da Igreja.

É já no século XVIII que a Morte de Si Próprio dá lugar à Morte do Outro, onde a saudade e a lamentação vão possibilitar o desenvolvimento do culto dos mortos nos séculos que se seguiram e cujo exemplo mais imediato é a criação dos cemitério românticos (vitorianos).
Esta conversão da Morte de Si Próprio na Morte do Outro está assente em duas grandes alterações que ocorreram no século XVIII: a complacência com a ideia da morte e a alteração da dinâmica entre o moribundo e os seus familiares e amigos, inclusive na forma como os testamentos passam a ser feitos.

A quarta e última fase é a da Morte Interdita: escondemos os nossos moribundos em hospitais e lares onde eles morrem sozinhos, criticamos o culto dos mortos, as visitas aos cemitérios, passamos a adoptar a cremação por esta ser mais definitiva, evitamos chorar em público e temos horror do luto.
É nesta fase que o autor nos coloca.

Todos os ensaios tem inúmeros exemplos e citações, que ilustram perfeitamente os argumentos de Ariès e nos ajudam a perceber as suas conclusões sem dificuldade.
Existem ainda vários ensaios dedicados apenas a praticas específicas ou curiosidades ligadas à morte, aos mortos ou às honras fúnebres nas diversas fases, como Os Milagres dos Mortos, Huizinga e os Temas Macabros, A Vida e a Morte para os Franceses do Nosso Tempo, etc.

E talvez seja aqui que vou colocar o único defeito que tenho a apresentar relativamente ao livro: tem uma componente francesa muito forte.
Ainda assim, mesmo quando Ariès fala especificamente sobre a cultura e pratica francesas, todas as observações e conclusões são-nos suficientemente próximas para que a leitura se faça sem hesitações e a informação nos seja útil.

Existem mais obras deste autor que posso recomendar, em especial The Hour of Our Death - onde o autor volta a dissertar sobre estas quatro fases com maior profundidade, até porque o este é de 1981, ou seja, seis anos depois da publicação de Sobre a História da Morte no Ocidente - mas não encontrei mais nenhum publicado em português.

Termino agradecendo à editora Teorema a publicação de mais um livro corajoso: acredito que os livros sobre a morte não serão os mais procurados nas livrarias, mas é importante que estas obras sejam disponibilizadas em português.

Sem comentários:

Enviar um comentário