19.7.11

Nós

I

Foi quando em dois verões, seguidamente, a Febre
E a Cólera também andaram na cidade,

Que esta população, com um terror de lebre,

Fugiu da capital como da tempestade.


Ora, meu pai, depois das nossas vidas salvas

(Até então nós só tivéramos sarampo).
Tanto nos viu crescer entre uns montões de malvas

Que ele ganhou por isso um grande amor ao campo!


Se acaso o conta, ainda a fronte se lhe enruga:
O que se ouvia sempre era o dobrar dos sinos;
Mesmo no nosso prédio, os outros inquilinos

Morreram todos. Nós salvámo-nos na fuga.


Na parte mercantil, foco da epidemia,

Um pânico! Nem um navio entrava a barra,

A alfândega parou, nenhuma loja abria,

E os turbulentos cais cessaram a algazarra.


Pela manhã, em vez dos trens dos baptizados,

Rodavam sem cessar as seges dos enterros.
Que triste a sucessão dos armazéns fechados!

Como um domingo inglês na city, que desterros!


Sem canalização, em muitos burgos ermos
Secavam dejecções cobertas de mosqueiros.
E os médicos, ao pé dos padres e coveiros,

Os últimos fiéis, tremiam dos enfermos!


Uma iluminação a azeite de purgueira,

De noite amarelava os prédios macilentos.

Barricas de alcatrão ardiam; de maneira

Que tinham tons de inferno outros armamentos.


Porém, lá fora, à solta, exageradamente

Enquanto acontecia essa calamidade,

Toda a vegetação, pletórica, potente,

Ganhava imenso com a enorme mortandade!


Num
ímpeto de seiva os arvoredos fartos,
Numa opulenta fúria as novidades todas,

Como uma universal celebração de bodas,

Amaram-se! E depois houve soberbos partos.


Por isso, o chefe antigo e bom da nossa casa,

Triste de ouvir falar em órfãos e em viúvas,

E em permanência olhando o horizonte em brasa,
Não quis voltar senão depois das grandes chuvas.


Ele, dum lado, via os filhos achacados,

Um lívido flagelo e uma moléstia horrenda!

E via, do outro lado, eiras, lezírias, prados,

E um salutar refúgio e um lucro na vivenda!


E o campo, desde então, segundo o que me lembro,

É todo o meu amor de todos estes anos!
Nós vamos para lá; somos provincianos,

Desde o calor de Maio aos frios de Novembro!

(...)

III

Tínhamos nós voltado à capital maldita,

Eu vinha de polir isto tranquilamente,

Quando nos sucedeu uma cruel desdita,

Pois um de nós caiu, de súbito, doente.


Uma tuberculose abria-lhe cavernas!

Dá-me rebate ainda o seu tossir profundo!
E eu sempre lembrarei, triste, as palavras ternas,
Com que se despediu de todos e do mundo!

Pobre rapaz robusto e cheio de futuro!

Não sei dum infortúnio imenso como o seu!
Vi o seu fim chegar como um medonho muro,

E, sem querer, aflito e atónito, morreu!


De tal maneira que hoje, eu desgostoso e azedo

Com tanta crueldade e tantas injustiças,

Se inda trabalho é como os presos no degredo,

Com planos de vingança e ideias insubmissas.


E agora, de tal modo a minha vida é dura,

Tenho momentos maus, tão tristes, tão perversos,

Que sinto só desdém pela literatura,

E até desprezo e esqueço os meus amados versos!

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