11.7.11

Um Cadáver

Lembras-te, meu amor, de uma coisa que vimos
Nessa manhã de Verão, suave:
Na curva do caminho um pútrido cadáver,
Num leito de pedras, sozinho,

De pernas para o ar, qual lúbrica mulher,
A arder, transpirando venenos,
Abria de uma forma cínica, insolente,
Cheio de exalações, o ventre.

Na podridão brilhava o sol com a certeza
De quem parecia cozinhá-lo,
Pra devolver com juros à mãe-natureza
Tudo o que ela um dia juntara;

E o céu contemplava a carcaça soberba,
Como flor a desabrochar.
Era um fedor tão forte, que até sobre a erva
Julgaste que ias desmaiar.

E as moscas zumbiam no ventre asqueroso
De onde saíam escuras tropas
De larvas, que escorriam num fluido viscoso
Por entre aqueles vivos trapos.

Tudo aquilo subia a descia, qual vaga
Que num momento rebentasse;
Era como se o corpo, num alento vago,
Noutros milhões ressuscitasse.

E daí emanava estranha melodia,
Como de água que corre, do vento,
Ou do grão que o moleiro no seu movimento
Agita e revolve no crivo.

As formas apagavam-se, mera ilusão,
Um esboço que não se destaca
Numa tela esquecida, e que o artista acaba
Somente pla recordação.

Atrás das rochas vi uma cadela inquieta
Fixando em nós um mau olhar,
À espera de ir buscar à ossada abjecta
O pedaço que ali deixára.

- No entanto serás como esta porcaria,
Como esta horrível infecção,
Ó estrela dos meus olhos, sol da minha vida,
Tu, meu anjo, minha paixão!

Sim! rainha das graças, assim! quando fores,
Pouco depois da extrema-unção,
Repousar sobre a erva e as carnudas flores,
Ganhar bolor no teu caixão.

Então dirás - ó bela! - aos vermes que comerem
Com muitos beijos o teu rosto,
Ter eu guardado a forma e a divina essência
Dos meus amores já decompostos!


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