21.2.12

Ritos Fúnebres: Bali

Entre os mais estranhos ritos fúnebres do mundo - para a nossa sensibilidade europeia, diria - está, sem dúvida, o arroz de mortos da ilha indónesia de Bali.
Entre as tribos primitivas era costume colocar-se os cadáveres sobre uma mesa, ligeiramente inclinada, e deixar um fio de água pingar e escorrer lentamente sobre o corpo.
Por baixo, colocavam um recipiente cheio de arroz, ainda com casca, para onde ia caindo a água, depois de passar sobre o cadáver. Passado algum tempo, o arroz era escorrido, seco e descascado.
O cadáver era, então, enterrado e o arroz era cozinhado, como habitualmente, sendo depois disposto com a forma de um corpo humano e partilhado por toda a tribo.

2.2.12

Primeiro Aniversário!

Faz hoje um ano que o Mort Safe começou a espalhar a tafofilia pela Internet.


Um sentido "Obrigada!" a todos os tafófilos que têm passando por aqui e até para o ano!...

30.1.12

Falecidos Famosos: Evita Perón

Quando, com apenas trinta e três anos, Eva Perón (Α:1919 - Ω:1952) sucumbiu ao cancro, Juan Perón temeu o efeito que o desaparecimento dela teria junto do povo argentino e, tendo a noção do decisivo papel da sua esposa para o manter na presidência, decidiu fazer o possível por conservá-la.

Eva Perón tivera um papel essencial durante todo o processo de eleição do marido, em 1946, e o seu apoio às classes mais pobres - os chamados descamisados - garantiu-lhe um papel quase divino junto das massas que, carinhosamente, a apelidaram de Evita.
A Primeira Dama da Argentina era idolatrada pelo povo e a sua morte foi um choque e enfraqueceu o poder do marido. Sem Evita, Péron era apenas mais um presidente.

Logo que Evita morreu, Perón mandou chamar o médico Pedro Ara, cuja apetência para embalsamar e preservar cadáveres era célebre no país, e pediu-lhe que garantisse que o corpo de Evita nunca fosse vitima de decomposição.
Pedro Ara - que normalmente viajava na companhia de uma cabeça embalsamada como prova das suas capacidades de taxidermista - usava uma curiosa técnica com excelentes resultados: substituía o sangue dos cadáveres por glicerina, o que permitia preservar todos os órgãos, incluindo o cérebro e, posteriormente, mergulhava o corpo em várias soluções de nitrato de potássio e plástico transparente.
Ara decidiu preparar e tratar o corpo em duas fases: a primeira, rápida, permitiria evitar os sinais mais imediatos da decomposição e manter o corpo em exposição durante alguns dias, de forma a garantir que o povo teria oportunidade de despedir-se de Evita; a segunda, mais demorada e definitiva, permitiria manter o aspecto de Evita, de acordo com o que esta tinha em vida e não tinha prazo de validade.

Era precisamente isso que Perón desejava, uma vez que pretendia manter Evita em exposição num monumento criado para o efeito; a adoração pela sua mulher considerada a líder espiritual da nação e o seu papel de viúvo extremoso permitir-lhe-ia manter parte da aura que Evita lhe emprestava, mesmo estando morta.
O monumento seria em Buenos Aires, maior que a Estátua da Liberdade e no seu interior o corpo perfeitamente conservado de Evita estaria em exposição todos os dias do ano.

Terminada a primeira fase do processo de embalsamamento, Evita foi colocada em câmara ardente por quinze dias. Pensa-se que passaram junto do caixão coberto por vidro cerca de dois milhões de pessoas.
Ara regressou ao trabalho e, cerca de um ano após a sua morte, o cadáver perfeitamente embalsamado de Evita foi colocado em exposição ao público no seu antigo gabinete de trabalho, aguardando a construção do monumento onde seria guardado.
O processo custou a Péron perto de 100 mil dólares

Em 1955, quando o monumento era ainda apenas um enorme buraco no meio de um parque, Péron foi afastado do poder por um golpe militar e fugiu da Argentina, abandonando o cadáver de Evita.
Os militares, que pretendiam destruir todas as recordações do casal Perón e das suas políticas, foram confrontados com a posse do corpo embalsado de Evita.
Inicialmente pensaram que se tratava de uma estátua de cera e planearam queimar o objecto, no entanto, numa tentativa de validação dessa teoria, e após várias sessões de radiografias consideradas inconclusivas, a Junta Militar Argentina acabou por cortar um dos dedos à figura e constataram que se tratava, de facto, do cadáver preservado da Líder Espiritual da Nação.

Por respeito às leis católicas ou, mais provavelmente, por superstição, decidiram esconder o cadáver em vez de o destruir: colocaram Evita num caixote de madeira nas traseiras de um camião e partiram para o interior da Argentina, tentando encontrar um local onde deixar esquecido o corpo. Mas estranhamente, os descamisados de Evita pareciam saber sempre onde a encontrar e, logo que era escolhido um espaço, começavam a aparecer velas e flores junto das entradas, colocadas pelos seguidores da esposa do ex-líder.
Durante dois anos, o corpo de Evita viajou semi-incógnito pela Argentina, diz-se que sendo sempre presenteado com flores, velas e outros objectos de adoração e reverência.

Várias histórias são contadas relativamente a este período de dois anos; num dos casos, Evita estaria escondida em casa de um major do exército que, preocupado com possíveis tentativas de roubo, acabou por disparar uma arma sobre o que pensou ser um ladrão apoiante de Perón, acabando por matar a própria esposa.

Numa altura em que era proibido ao povo argentino ter até fotografias do casal Perón em casa, a situação acabou por ser resolvida de outra forma. Fechou-se Evita num caixão e arranjou-se a documentação necessária para conseguir a inumação de "María Maggi", uma imigrante italiana a residir na Argentina, numa cripta do cemitério Monumentale de Milão.
E foi aí que Evita ficou, incógnita, até 1971.

Desde 1970 que Juan Perón e a sua terceira esposa, Isabel, se encontravam a residir em Madrid.
A instabilidade política e o descontentamento na Argentina acabaram por levar um grupo de guerrilheiros a raptar e executar Pedro Aramburu, presidente em funções, por crimes contra o povo. Quanto à possibilidade de devolverem o corpo de Aramburu à sua família, os guerrilheiros decidiram pedir como moeda de resgate a devolução do corpo de Evita ao povo argentino.

Face a esta situação, o advogado de Aramburu abriu a documentação que o seu cliente lhe deixara e entre os papeis encontrou um conjunto de pistas que lhes permitiu descobrir que Evita estaria enterrada em Milão.

Rápida e secretamente, numa colaboração entre as autoridades argentinas, italianas, francesas e espanholas, o cadáver foi exumado e transportado numa carreta funerária até Madrid, onde foi entregue a Juan Perón. Aguardando o cadáver estava o também exilado Pedro Ara que, com muita satisfação, constatou que o corpo estava magnificamente preservado. Apenas algumas rachas no plástico exterior e o nariz amassado eram prova dos dezasseis anos em que o corpo esteve desaparecido. Com excepção do dedo desaparecido e nunca recuperado, Ara rapidamente devolveu Evita à sua beleza inicial.

Evita permaneceu em Madrid até à morte de Perón em 1974. Este havia regressado à Argentina no ano anterior, deixando Evita na cidade espanhola, mas até aí, mantinha o cadáver da ex-mulher na sala de jantar, em exposição. São várias as testemunhas que participaram em jantares nessa sala, na presença de Evita.
Mais uma vez, os guerrilheiros argentinos decidiram raptar o cadáver do anterior presidente Aramburu e, mais uma vez, pediram o regresso de Evita.

Evita regressou ao solo argentino em Novembro de 1974.

Aguardando a construção de um novo monumento, o corpo de Evita e Perón ficaram em exposição até um novo golpe militar derrubar o inexperiente governo de Isabel (esposa de Perón).
Desta vez, Evita foi entregue à família e, com o apoio do governo, fechado numa cripta subterrânea sob o mausoléu dos Duarte no elegante cemitério de La Recoleta.

Perón, entretanto também embalsamado, foi depositado num cemitério nos arredores de Buenos Aires, no túmulo do seu avô. Apertadas medidas de segurança - que incluíram guardas, vidro à prova de bala e múltiplas fechaduras - não conseguiram impedir, em 1987, que a câmara mortuária fosse invadida e a espada cerimonial com que tinha sido enterrado fosse furtada; mais grave que isso, os ladrões deceparam e roubaram as mãos do antigo presidente.
Alguns dias depois enviavam a nota de resgate: oito milhões de dólares por, diziam, "serviços prestados em 1972".
Apesar da situação ter causado indignação generalizada, ninguém tentou angariar os fundos necessários para resgatar as mãos de Perón pelo que, se assume, os ladrões levaram a cabo a promessa de "pulverizar" as mãos de Perón.

Evita continua no magnifico cemitério de La Recoleta, onde é visitada diariamente por centenas de pessoas que lhe deixam flores e se fazem fotografar junto do mausoléu.
A acreditar em Ara, estará tão bonita e perfeita como sempre.


15.1.12

"No Céu, Debaixo da Terra"

No dia 28 de Janeiro pelas 19 horas, como parte do festival de cinema de expressão alemã, promovido pelo Goethe Institut Portugal, irá passar no cinema S. Jorge, em Lisboa, o documentário "No Céu, Debaixo da Terra" (Im Himmel, unter der Erde) de Britta Wauer.




«No norte da cidade, escondido numa zona habitacional, cercado por um muro e tapado por uma grande floresta, rododendros e hera, encontramos o Cemitério Judaico de Berlim-Weissensee.
Existe aqui desde 1880, tem 42 hectares e 115 000 sepulturas, neste momento. Actualmente, o cemitério continua a ser utilizado. Nem o cemitério, nem o seu arquivo foram destruídos – o que representa um autêntico paraíso para coleccionadores de histórias.
Britta Wauer e o seu operador de câmara, Kaspar Koepke, visitaram várias vezes este cemitério e depararam-se com um sítio cheio de vidas.
Pessoas de todo o mundo visitam-no e falam sobre a história judaica, sobre a história da cidade de Berlim e simultaneamente sobre a história da Alemanha.
Todas elas estão lá amplamente representadas.»
O documentário terá legendas em português.

Mais informações na página de Facebook do evento, criada pelo Goethe Institut.

A não perder!

24.12.11

18.12.11

A Grande Pirâmide de Londres

Em 1842, antes do arquitecto Thomas Willson fazer parte da comissão dirigente da General Cemetery Company - companhia responsável pelo cemitério de Kensal Green, o primeiro dos Sete Magníficos cemitérios de Londres -, o seu nome apareceu associado a uma das maiores follies* cemiteriais de que há memória.

Na primeira metade do século XIX, quando os londrinos começaram a conceber novas formas de lidar com os mortos, alguns arquitectos, mais criativos ou ousados, decidiram fazer propostas fora do comum.
Uma das mais curiosas foi a Grande Pirâmide de Londres, que teria capacidade para receber cerca de cinco milhões de mortos, acomodados em noventa e quatro camadas que lhe daria uma altura superior à catedral de St. Paul.
Com a base do tamanho da Russell Square, ficaria em Primrose Hill e, se tivesse sido construída, teria mudado radicalmente o perfil da cidade de Londres.
Concebida para ser construida em tijolo e forrada a granito, teria capacidade para receber anualmente cerca de quarenta mil corpos, nas duzentas e quinze mil duzentas e noventa e seis catacumbas, cada uma capaz de guardar vinte e quatro caixões, que seriam alugadas a paróquias ou famílias particulares por £50.
A pirâmide teria ainda uma capela, um escritório, acomodações para vários funcionários e, alinhado com o espírito vitoriano, um observatório no topo.
O custo estimado rondava as £2,500,000 e nem o fundo de investimento criado permitiu angariar o dinheiro necessário para a construção, pelo que a Grande Pirâmide de Londres nunca passou do papel.

Se tivesse sido construída seria um mausoléu gigantesco e inigualável e teria tido um impacto tremendo na concepção e desenho dos cemitérios modernos que, acredito, seriam bem diferentes do que são actualmente.



*follies
é o plural de folly (do francês folie) e em arquitectura, apartir dos século XVIII e XIX, significa um edifício de custo de construção e manutenção elevado, normalmente não funcional, construido especialmente por questões estéticas.
Um dos mais conhecidos é, talvez, Fonthill Abbey, do escritor britânico William Beckford, autor de Vathek.

7.12.11

Fim dos Beijos em Oscar Wilde

Há rituais quase obrigatórios, quando se fazem visitas a determinados sítios.
Acontece em cidades, países, museus - ao visitar Lisboa tem de se comer um Pastel de Belém, ao ir ao Porto e tem de se parar no Café Majestic, em Londres é preciso ver o Big Ben -, mas também acontece com cemitérios.

Uma visita a Père Lachaise inclui quase sempre uma paragem junto das grades anti-motim que cercam a campa de Jim Morrison e um beijo de batôn na campa de Oscar Wilde.
Agora já não.

Oscar Wilde (Α:1854 - Ω:1900) não teve um final feliz.
Nascido numa família irlandesa e tendo estudado em Trinity Colege - a célebre universidade no coração de Dublin - as suas peças e poemas transformaram-no numa celebridade da sociedade vitoriana de 1880 e 1890.
Casado e pai de dois filhos, foi preso por conduta homossexual na cadeia de Reading, nos arredores de Londres. As condições adversas da cela, os maus tratos e humilhações quebraram-lhe o espírito e destruíram-lhe a saúde; passados dois anos, regressou à liberdade e exilou-se no continente, acabando por se refugiar em Paris.
Na miséria e com uma saúde muito debilitada, viria a morrer com apenas quarenta e seis anos, vitima de uma meningite e de uma infecção no aparelho auditivo.

Foi enterrado numa campa temporária no cemitério de Bagneaux, coberto com cal, numa tentativa de acelerar o processo de decomposição, mas, estranhamente, a cal teve o efeito contrário e preservou o corpo.
Passados nove anos, Robert Ross mandou levantar os restos mortais do seu amigo Wilde e levou-os a sepultar no cemitério de Père Lachaise, tendo sido encomendada uma escultura a Jacob Epstein (Α:1880 - Ω:1959) .

Epstein concebeu uma representação de Wilde enquanto um mensageiro alado, num estilo art deco egípcio.

O "anjo" de Wilde está numa posição fora do comum, deitando, num simulacro de voo, os braços estendidos ao longo do corpo e as asas, estilizadas, abertas.
Estas características seriam já suficientes para colocar de sobreaviso algumas personagens mais conservadoras, mas o verdadeiro pomo da discórdia consistiu nos órgãos genitais da figura.

Quando, após três anos a trabalhar na peça, o escultor chegou a Père Lachaise para concluir a instalação, encontrou o seu trabalho coberto por um pano e rodeado de polícias: aparentemente o conservador do cemitério considerara a obra "indecente" e banira-a.

A pressão da massa intelectual parisiense não foi suficiente para para levantar a sanção, mas - talvez inspirado pela bula do Papa Paulo IV que, em 1557, institucionalizou o uso das folhas de figueira para cobrir os genitais em obras de arte e certamente não querendo ir tão longe quanto o Papa Pio IX que as mandou castrar - o curador do cemitério acabou por mandar cobrir os genitais da estátua com uma placa que fazia lembrar uma folha de figueira, antes de aceitar a sua exposição em 1914.

Literalmente, do noite para o dia, a placa/folha desapareceu e com ela parte dos genitais do mensageiro alado.
Reza a lenda que em 1922 alunos universitários invadiram o cemitério na calada da noite e, após retirarem a folha de figueira, partiram parte dos ofensivos genitais e levaram-nos.
Outra versão, mais colorida, diz que duas senhoras inglesas ficaram ofendidas com a generosidade com que Epstein representara os genitais do poeta e decidiram tratar do assunto pessoalmente, emasculando a estátua e deixando o ofensivo pedaço de pedra junto do pedestal. Diz-se ainda que o curador do cemitério o recolheu e passou a tê-lo na sua secretária, servindo-se dele como pisa-papéis.
Seja como for, a estátua ficou como a podemos ver agora.

A campa de Oscar Wilde, à semelhança da sua residência em Dublin, tornou-se local de peregrinação para os fãs; aparentemente, durante décadas, estes iam deixando mensagens escritas na pedra e em 1990 os descendentes de Wilde mandaram limpar a estátua e, ao mesmo tempo, conseguiram-lhe o estatuto de monumento histórico.
Foi então que, ao pararem as mensagens, começaram os beijos. Sempre com tons cor-de-rosa ou vermelho, os fãs de Wilde iam beijando a campa, deixando o seu tributo marcado na pedra com batôn.
Sempre encarei esse gesto como uma homenagem e não como vandalismo, mas os descendentes do poeta pensaram de maneira diferente e mandaram novamente limpar a campa, a tempo para a comemoração dos cento e onze anos sobre a morte de Oscar Wilde, que ocorreram no passado dia 30 de Novembro (dia de morte que partilha com Fernando Pessoa).
Ao reinaugurar a peça, fizeram-na cercar por um vidro espesso, colocado a cerca de meio metro da campa, terminando assim com o ritual de décadas.


Conseguiram acabar com os beijos de batôn na pedra, mas isso não garante que os fãs não continuem a deixar a sua homenagem a Oscar Wilde.
Se calhar, passando agora a beijar o vidro...


Adenda: em 2006, Wes Craven realizou o segmento no cemitério de Père Lachaise, usando a sepultura de Oscar Wilde e o ritual dos beijos de batôn, para o filme Paris, Je T'aime. Até Oscar Wilde aparece como personagem.



Com um obrigada à tafófila Raquel Pais.

5.12.11

Natal para Tafófilos - Edição 2011

Com a proximidade das festividades natalícias e o hábito de oferecer presentes, parece-me adequado deixar uma ou duas recomendações para prendas de Natal para Tafófilos.

Para recomendações em português, recordo as recomendações para a Feira do Livro.
Não existe muita coisa sobre ou relacionada como cemitérios a ser editada em português, infelizmente.
Destaco, mais uma vez, o livro de Philippe Ariès "Sobre a História da Morte no Ocidente desde a Idade Média" da editora Teorema.

Para quem estiver disponível para ler em inglês, o leque de opções é bem mais abrangente.
Destaco o livro de Paul Koudounaris "The Empire of Death".

Com imagens maravilhosas, capa dura e uma edição de luxo, esta obra promete fazer as delícias de qualquer tafófilo.
Interessante é o facto de incluir imagens de oito capelas de ossos e carneiros portugueses. Até ao momento, em português e sobre este tema, encontrei apenas o trabalho de Carlos Veloso "As Capelas dos Ossos em Portugal" pela editora Minerva, pelo que é uma mais valia ter também o livro de Koudounaris.
Se encomendarem já, deve ainda chegar a tempo do Natal.

Não deixem de visitar a página do autor Empire De La Mort.


A fotografia é da Capela dos Ossos de Campo Maior, Portugal
e é da autoria de Paul Koudounaris.


1.12.11

Mort Safe em Destaque no "Ave Rara"

O site "Ave Rara - Portal de Divulgação Cultural, Reportagens e Entrevistas" publicou uma entrevista comigo sobre o blogue Mort Safe.

É muito agradável poder contribuir activamente na desmistificação da tafofilia, promovendo as visitas culturais e turísticas em cemitérios e outros locais inseridos na dimensão do necroturismo.

Podem encontrar a reportagem/entrevista a partir daqui: "Tafofilia: Um Outra Forma de Viver a Morte".

20.11.11

Um Século de Exposição de Cadáveres

Para a nossa sensibilidade de século XXI, em que deixámos a Morte escondida atrás de cortinas hospitalares e paredes pintadas a cru de lares de idosos, a ideia de considerar uma morgue como ponto de interesse turístico é, no mínimo, estranha, mas estivéssemos em Paris no século XIX, não só nos pareceria natural como apetecível.

A Morgue de Paris atraía multidões na ordem dos milhares de indivíduos e era mencionada nos guias turísticos da cidade.

Desde o século XIV que os franceses tinham locais onde conservavam os corpos não identificados para apresentação pública, numa tentativa de os identificar e entregar aos familiares. Posteriormente, aquilo que era da responsabilidade das ordens religiosas, como a Ordem de Santa Catarina, passou a ser responsabilidade do Estado.
Nas caves do Châtelet de Paris, onde, desde há muitos anos, funciona a sede da polícia, tribunal e cadeia e por onde passaram presos famosos na época da revolução francesa, como Marie Antoinette, existia uma sala onde eram colocados os cadáveres desconhecidos para visionamento e identificação pelo público.
Essa sala era chamada de basse-géôle e os registos da época descrevem-na como sendo pequena e húmida, onde os cadáveres eram arrumados uns sobre os outros e os familiares procuravam, de lanternas em punho, pelos seus entes queridos entre os corpos empilhados.
Numa Paris que tinha expulsado os cemitérios para a periferia da cidade por questões de higiene, este estado de coisas era impensável e, depois de ter sido decretado pela polícia, em 1800, que a identificação de cadáveres era essencial para se manter a "ordem social", foi decidido que era necessário criar uma morgue adequada, construída e desenhada de forma a garantir que a observação dos cadáveres pelo público se faria da forma mais adequada possível.

É em 1804 que é criada a primeira Morgue de Paris, no coração administrativo da cidade, no movimentado Marché-Neuf. Mudam-lhe o nome de basse-géôle para morgue, palavra que tem origem no verbo morguer que significa olhar de forma inquisitiva e fixa.
Este novo edifício ficava junto do Sena, uma vez que, normalmente, os cadáveres eram trazidos por barcos e porque a maioria dos corpos não identificados eram encontrados no rio. Acidentes, suicídios e assassinatos: quase todos os corpos expostos na Morgue de Paris tinham origem no Sena.

O ponto central deste novo edifício era a sala de exposição, com duzentos e dez metros quadrados, envidraçada, com marquesas de mármore onde os corpos eram apresentados ao público. Os corpos era despidos, os genitais cobertos com um pano e as roupas eram penduradas em cabides perto dos corpos, numa tentativa de auxiliar a identificação dos defuntos, que se iam decompondo.

Apesar desta primeira morgue ser uma clara melhoria face à basse-géôle nas caves do Châtelet, com a reorganização da cidade, promovida por Georges Haussmann, ela foi encerrada e destruído o edifício onde operava.
A nova Morgue de Paris, considerada exemplar, modelo de higiene e salubridade, foi desenhada por Félix Gilbert e construída em 1864 nas traseiras da catedral de Notre Dame.

A grandiosidade deste novo local fica expressada pelas dimensões da nova sala de exposição, que com oitocentos e trinta e cinco metros quadrados, conseguia ser quatro vezes maior que a anterior, apresentando duas filas de seis marquesas de mármore negro, permitindo ter doze cadáveres em exposição ao mesmo tempo.

A localização continuava a ser junto ao Sena, mas uma porta nas traseiras do edifício permitia a entrada de novos cadáveres longe dos olhos do público. O novo espaço tinha ainda um maior número de salas de autópsia, uma lavandaria para tratamento dos pertences dos cadáveres e uma maior área para trabalho administrativo.
Três enormes portas de madeira na frente do edifício davam acesso à sala pública onde, através de uma enorme parede de vidro, podia ver-se o interior da sala de exposição, onde ficavam os cadáveres.

Este novo espaço encarava a apresentação dos cadáveres como o seu objectivo principal e dispunha até de uma cortina verde, que era corrida quando era necessário retirar ou colocar um novo corpo ou fazer qualquer outra alteração que se considerasse que não devia ser presenciada pelo público.
Uma vez que os corpos, normalmente, estavam em exposição apenas três dias, a partir de 1877 os funcionários da morgue passaram a fotografá-los, deixando as fotografias e os pertences em exposição, numa tentativa de prolongar a exposição do cadáveres e, com isso, aumentar as probabilidades de identificação.
O prolongamento da exposição era, de facto, uma preocupação. Em 1882, foi encontrada uma nova forma de conservar os cadáveres, baseada no sistema utilizado para o transporte de carnes; sistema que serviu de modelo para morgues em toda a Europa.


No entanto, se considerarmos que a Morgue de Paris tinha cerca de um milhão de visitantes por ano, facilmente percebemos que as visitas dos populares não tinham por objectivo a identificação dos cadáveres expostos, mas sim o espectáculo do macabro.

Esta realidade da Morgue, enquanto atractivo para as multidões e espectáculo gratuito, era especialmente visível quando um caso específico tocava no lado mais sensível dos espectadores.

Sempre que os cadáveres em exposição na morgue apresentavam indícios de crime ou suicídio, os jornais tornavam-nos notícia - em especial se se tratavam de crianças ou mulheres -, apresentando até desenhos detalhados dos corpos e dos indivíoduos que se juntavam para observá-los, o que influenciava o público e arrastava novas multidões para as portas da morgue.
Essas multidões também acabavam por ser notícia, alimentando um ciclo vicioso que mantinha alguns casos nos jornais durante meses.

Existem alguns exemplos famosos e um deles é o da Desconhecida do Sena, cuja máscara mortuária enfeitou as salas dos artistas e burgueses durante anos, um pouco por toda a Europa.

Outro caso muito falado foi o Mistério de Suresnes. Em apenas quatro dias, estimou-se que tivessem passado pela Morgue de Paris cerca de trinta mil pessoas para ver as duas pequenas crianças retiradas das frias águas do Sena: uma bebé de dezoito meses e outra de três anos, que se julgava serem irmãs, sentadas em cadeiras forradas com um material cinzento, por serem demasiado pequenas para serem colocadas nas marquesas.
As crianças acabaram por ser identificadas, retiradas da sala de exposição, descongeladas e autopsiadas; no entanto, a identificação provou ser errada e elas foram novamente congeladas e colocadas na sala de exposição para satisfação dos aficionados.
Foi ainda encontrada uma mulher que teria estado cerca de três semanas perdida nas águas do rio, colocado a data da sua morte próxima da data de morte das crianças, e o interesse nas pequeninas de Suresnes regressou em força. Porém, a mulher foi rapidamente reconhecida e resgatada por um familiar, destruindo a potencial associação às duas meninas.
As crianças acabaram por ser enterradas sem terem sido reconhecidas e o caso desapareceu dos jornais. Este episódio durou cerca de um mês, arrastando multidões de visita à Morgue de Paris.
Como estes dois casos, inúmeros outros fizeram lucrar os jornais de Paris até ao encerramento da Morgue.

Em Março de 1907, mais de cem anos após a abertura da morgue de Marché-Neuf, a Morgue de Paris encerrava as portas ao público, deixando de permitir o visionamento dos corpos pelos populares.
Apenas a familiares de pessoas desaparecidas era dado o acesso à sala de exposição.

Encerrava-se assim um dos maiores espectáculos gratuitos da cidade de Paris, capaz de atrair multidões e o interesse de parisienses e estrangeiros durante mais de um século.

2.11.11

Identidades Trocadas: Molière e La Fontaine

O cemitério parisiense de Père Lachaise é, certamente, o local mais cobiçado para última morada da maioria da população ocidental, mas nem sempre foi assim.
Durante o século XVII os inúmeros cemitérios de Paris estavam completamente saturados, pelo que, em 1786, foram extirpados do interior da cidade, tendo as antigas ossadas sido transportadas para as galerias das antigas pedreiras, que se tornariam nas Catacumbas de Paris.
Para os novos enterramentos foram criados quatro novos cemitérios, rodeando a cidade nos quatro pontos cardeais: Norte, Oeste, Este e, mais tarde, Sul.
O Cemitério Este, mais conhecido por Cemitério de Pére Lachaise, foi criado por Napoleão I em 1804; ocupa toda uma encosta e recebeu o nome do padre confessor de Louis XIV, que habitou numa residência jesuíta no local onde fica presentemente a capela.
Pertencendo a uma nova escola onde os cemitérios tentavam ser representações terrenas de Arcádia e Campos Elísios, Père Lachaise era um cemitério muito diferente daquilo a que a população estava habituada. Para além disso, era também o cemitério mais afastado do coração da cidade, pelo que poucos eram os cidadãos que pretendiam ser aí enterrados.
Nos seus três primeiros anos de existência não havia mais de sessenta pessoas ali enterradas, sendo que hoje o número é cerca de um milhão.
Procurando aumentar-lhe o prestígio de forma a tornar o espaço mais apelativo, Nicolas Frochot decidiu propor a transladação de alguns dos mais famosos parisienses para Père Lachaise.
Entre os escolhidos para serem inumados no novo cemitério encontravam-se o dramaturgo Molière e o escritor La Fontaine, cujas ossadas estavam em exposição no Museu Nacional dos Monumentos Franceses.

Em 1673, enquanto actuava, Molière sentiu-se mal em palco. A personagem que representava era um homem doente que acabava por morrer em cena. Os seus espasmos - reais - foram interpretados pelo público como fazendo parte da peça e, cerca de uma hora depois de sair de cena, Molière morreu.
As regras da igreja ditavam que os actores - à semelhança dos heréticos, feiticeiros, usurários e pagãos - não podiam ser enterrados em solo sagrado, o que levou a viúva de Molière a apelar às autoridades eclesiásticas e ao rei de França, procurando que fosse aberta uma excepção que permitisse o enterramento cristão ao falecido.
O rei intercedeu junto da Igreja e, quatro dias após o óbito, obteve-se autorização para inumar Molière no cemitério de Saint Joseph, numa cerimónia nocturna.
Consta que, logo que a multidão que se reuniu para acompanhar o actor e dramaturgo à sua última morada se desmobilizou, a sepultura voltou a ser aberta e o corpo de Molière foi retirado e enterrado noutra zona do cemitério, numa vala comum para não-baptizados.
Tudo o que ficou registado é que Molière foi enterrado algures no interior do cemitério de Saint Joseph, sendo que após o registo inicial se encontraram vários aditamentos e notas, referindo a trasladação dos restos mortais de Molière, notas essas muitas vezes contraditórias. Julga-se que em 1750 ele foi transferido para o interior da igreja, mas mesmo isso acaba por não esclarecer se ele voltou a ser enterrado no local original ou se foi enterrado noutro espaço qualquer do cemitério.
Em 1792, quando foi tomada a decisão de exumar os corpos de La Fontaine e Molière, ninguém conseguia dizer exactamente onde o dramaturgo estaria enterrado.
Assim, os comissários encarregados da exumação decidiram abrir uma sepultura num talhão dos não-baptizados e dela foi retirado um esqueleto que, etiquetado como sendo de Molière, foi colocado num novo caixão e arrumado na cripta da igreja de Saint Joseph e mais tarde num armazém até 1799, quando foi transferido para o Museu Nacional dos Monumentos Franceses e deixando em exibição publica até 1817.
Durante esses anos, este falso Molière teve por companheiro um falso La Fontaine: os mesmo comissários responsáveis pela exumação do primeiro tiveram a tarefa de localizar e exumar o segundo; por isso, desenterraram outro corpo no mesmo local e disseram que se tratavam dos restos mortais de La Fontaine.

Considerando todos os factos apresentados, a probabilidade do esqueleto ser realmente de Molière é ínfima.
Já no caso de La Fontaine, a probabilidade das ossadas serem dele é simplesmente nula.
La Fontaine faleceu a 13 de Abril de 1695 tendo sido enterrado no cemitério de Les Innocents e não em Saint Joseph. A localização mais provável para as suas ossadas é o interior das Catacumbas de Paris, anonimamente perdido entre cerca de seis milhões de parisienses.
Assim, em 1817, "Molière", "La Fontaine" e os célebres amantes Héloïse e Abélard foram recebidos com pompa no novo cemitério.
A estratégia resultou: em menos de um ano, os talhões de Père Lachaise eram os mais cobiçados da capital francesa. Père Lachaise populou-se - sobrepopulou-se! - tendo-se tornado o local de eterno repouso de muitos populares e famosos, franceses e estrangeiros, que habitaram ou morreram em Paris, sendo um marco incontornável no mapa internacional do necroturismo.
Ainda assim, dentro dos túmulos dedicados a Molière e La Fontaine, estarão apenas parisienses anónimos.

31.10.11

Dia dos Fiéis Defuntos

Com o início do mês de Novembro aproximam-se duas datas que aparecem associadas aos cemitérios e à Morte; uma de modo correcto e a outra por engano ou necessidade: o Dia de Todos os Santos e o Dia dos Finados ou Fiéis Defuntos.
Existe alguma confusão identitária entre o Dia de Todos os Santos e do Dia dos Finados; talvez originada pelo facto do dia 1 de Novembro ser feriado e a maioria da população aproveitar a circunstância para visitar os cemitérios, embelezar e limpar campas, de acordo com o costume do Dia de Finados.
Na verdade, o Dia de Finados é dia 2 de Novembro, sendo que a 1 de Novembro se celebra o Dia de Todos os Santos - são, realmente, celebrações diferentes.

O Dia de Todos os Santos foi instituído para celebrar os todos santos da Igreja Católica, tendo sido criado quando se constatou que o número de santos e mártires era já superior ao número de dias do ano, o que impedia a atribuição de um dia específico a cada novo santo. Todos os dias do ano são dedicados a um determinado santo, de tal modo que ainda hoje há pessoas que recebem o nome de acordo com o santo que é celebrado no dia do nascimento (ou que recebem prendas no dia do santo de seu nome, mesmo nascendo em dia diferente).
Por este motivo, a Igreja definiu um dia em que todos os santos são celebrados, independentemente de terem um dia específico ou não.
Aliás, foi desta celebração que apareceu o nome Halloween, atribuído ao dia 31 de Outubro, outrora designado All Hallow's Eve: a véspera de todos os santos.

O dia 2 de Novembro é o reservado aos Finados.
Existem várias versões sobre a origem desta dedicação, mas as celebrações católicas associadas aos mortos começaram durante a Idade Média, quando a ideia de Juízo Final foi alterada.
Inicialmente considerava-se que os mortos ficavam num estado em que as suas almas se encontravam como que adormecidas, sendo que seriam "acordadas" no momento do Juízo Final, onde seriam julgados e posteriormente enviados para o Paraíso ou para o Inferno para toda a eternidade.
Durante a segunda idade média, esta prespectiva foi sendo alterada passando a conceber-se a existência de um julgamento imediato aquando da morte. Findo esse julgamento, onde mais do que o peso das boas ou más acções durante toda a vida era tida em conta a forma como essas acções eram encaradas pelo defunto, a alma seguia no imediato para o Paraíso ou para o Inferno.
É então criado o conceito do Purgatório, um local onde as almas dos mortos que não são maus o suficiente para ir para o Inferno, mas que também não são bons o suficiente para ir para o Paraíso, ficam em penitência para, com a ajuda das orações do vivos, conseguirem finalmente aceder aos Portões de São Pedro.

É esse o mote que transforma a Morte num negócio rentável para a Igreja.
Não só cobram os enterramentos ad sanctos (uma vez que a prática era "proibida" e, consequentemente, era necessário pagar um valor para a proibição ser levantada e a inumação ocorrer no interior das igrejas), como a participação nas procissões fúnebres e as diversas missas pelas alminhas dos defuntos.

As missas e orações pelas alminhas dos defuntos estão na origem do culto das alminhas, que esteve muito em voga no nosso país a partir do século XVI.
São inúmeras as capelinhas-oratórios que existem espalhadas na berma nas estradas nacionais ou nas esquinas de ruas de vilas e aldeias, funcionando como lembretes a pedir orações pelos mortos presos no Purgatório. Normalmente, são figuras humanas ou anjinhos, talhados em pedra, madeira ou delicadamente pintados em azulejo; por baixo das imagens pode ver-se um P.N.A.M - sigla que também é muitas vezes encontrada em campas de cemitérios católicos - e que significa Padre Nosso / Avé Maria, recordando as principais orações esperadas.

Diferentes culturas têm diferentes abordagens ao Dia dos Finados.
Na sua base está a raiz europeia, que dita que as pessoas se desloquem aos cemitérios, enfeitando e limpando campas, mesmo que algumas delas tenham já perdido o hábito de prestar o tributo das orações. Em algumas culturas essa celebração, em contacto com costumes locais igualmente antigos, converteu-se numa celebração diferentes.
Talvez a exemplo mais flagrante das diferentes abordagens é a forma como o sombrio Dia dos Finados é transformado na festa do Dia dos Mortos, no México. Oferendas de caveiras de açúcar exuberantemente enfeitadas, pães, bolos, bebidas são deixadas nas campas de familiares e amigos, em vigílias animadas e cheias de recordações.

Independentemente das diferenças, o Dia de Finados é o dia por excelência para recordar aqueles que já partiram.