12.2.11

As Catacumbas de Paris - II

De Pedreira a Ossário Geral de Paris

Durante séculos os mortos de Paris foram sendo enterrados à volta das igrejas, normalmente em charniers, valas comum abençoadas que permitiam enterrar rapidamente um número grande de cadáveres e que iam sendo abertas e fechadas com rapidez, conforme ficavam cheias. Quando possível, os ossos eram retirados e preservados fora das sepulturas, mas ainda assim, empilhavam-se os mortos uns sobre os outros, dentro da cidade.

Inicialmente, quando a lei era a Romana, em Paris como no resto do Império, os mortos eram levados para fora das muralhas das cidades, para cemitérios em locais relativamente arejados e isolados, mas a chegada do Catolicismo construiu igrejas e capelas e disseminou a ideia de que a proximidade dos mortos desses edifícios sagrados, assim como o pagamento do serviço de inumação, garantiria a salvação.
Rapidamente os terrenos em volta das igrejas se encheram de cadáveres e também no interior se faziam inumações. As famílias nobres conseguiam ter pedras gravadas no chão das igrejas, sobre os seus mortos, ou comprar um pequena capela para toda a família. Para os pobres eram abertas valas comuns que se iam enchendo e cobrindo ao longo do tempo.
O aumento populacional começou a sobre-lotar estes cemitérios e o crescimento da cidade engoliu-os e apertou-os entre as moradias, lojas de artífices e mercados. A terra, saturada, já não devorada as carnes com a mesma rapidez e os ossos misturavam-se com corpos mais recentes. O cheiro era nauseabundo e desde o século XVI que há registos oficiais de reclamações.
Epidemias e infecções varriam família inteiras nas vizinhança destes antros de morte e rapidamente as igrejas pareciam ter sido construidas num pequeno vale, rodeadas de elevações artificiais nascidas dos enterramentos acumulados, e transformadas em criptas funerárias, recheadas com as ossadas dos ricos.
Por toda a cidade se sentia o cheiro putrefacto dos corpos em decomposição e mesmo a água e o pão que se comiam e bebiam estavam contaminados.
Mas mais uma vez, e à semelhança do que acontecera anos antes com os túneis das pedreiras subterrâneas de Paris, foi preciso um desabamento para que todas as queixas, relatórios e reclamações fossem levadas a sério.


Em 1780, as paredes da cave de um edifício que ficava paredes meias com o cemitério de Les Innocents cederam, empurradas pelo peso dos milhares de cadáveres que se acumulavam nas valas do cemitério.
Ossos e corpos putrefactos tombaram para dentro da divisão, contaminando tudo e todos.
Rapidamente, as entidades oficiais decretaram que Les Innocents devia ser encerrado, mas sem outra solução mais eficaz, só se agravou a situação dos restantes cemitérios da cidade, obrigados a receber os corpos que tinham pertencido ao cemitério encerrado.

A resolução definitiva chega em 1785, quando uma proposta de utilização dos túneis das pedreiras de calcário como ossário foi aceite.
Todos os cemitérios do interior da cidade foram fechados e iniciou-se o processo de exumação e transladação. As ossadas foram retiradas da terra, limpas, empilhadas em carroças e cobertas por panos negros. Padres acompanhavam as carroças, rezando ladainhas em latim e entoando cânticos sagrados, enquanto cavalos negros levados à mão as puxavam, trotando na noite pelas ruas de Paris, carregando as ossadas para sul da Porte D’Enfer, junto à qual se fazia o acesso às recém convertidas catacumbas.
Essas macabras procissões nocturnas duraram anos, até que os cerca de seis milhões de parisienses, enterrados nos cemitérios, ficaram finalmente amontoados nas entranhas da cidade crescente.

Só mais tarde as ossadas foram dispostas como as podemos ver, de forma ordenada junto das paredes, criando padrões usando caveiras e restos de placas e cruzes, recuperadas dos cemitérios desmantelados.
Nas paredes subterrâneas estão cruzes e corações feitos com caveiras, rodeados por tíbias e fémures empilhados, espectáculo que se estende por quase dois quilómetros, onde estreitos corredores desembocam em galerias espaçosas, iluminadas parcamente e ostentando poemas e versos em latim e francês antigo. Essa arrumação, assim como a selecção dos textos de cariz filosófico e poético que acompanham os restos mortais, foi da responsabilidade do Visconde de Thury.

Foi assim que as pedreiras de Paris se tornaram no Ossário Geral da cidade. E é assim que nasce um novo desejo entre os parisienses: visitar as catacumbas.

Sem comentários:

Enviar um comentário