29.4.11

Recomendações Tafófilas para a Feira do Livro

Começou no dia 28 de Abril e irá estar aberta até 15 de Maio a 81ª Feira do Livro de Lisboa, no Parque Eduardo VII.
Este ano, as recomendações do Mort Safe são apenas três: um de ficção e dois livros de não ficção.

Ficção:

Uma Inquietante Simetria de Audrey Niffenegger pela Editorial Presença.

"Quando Elspeth Noblin morre de cancro deixa o seu apartamento em Londres às sobrinhas Julia e Valentina, que nunca chegou a conhecer. As jovens, gémeas idênticas e inseparáveis desde a nascença, decidem mudar-se para lá, na esperança de também conhecerem um pouco mais da história da sua família. Mas o que vão encontrar no prédio com vista para o famoso Highgate Cemetery é muito mais obscuro do que contavam enfrentar… Uma deliciosa história sobre o amor, a identidade, os laços que nos unem e a força da vida, que transcende todas as barreiras. "


Este livro já foi mencionado anteriormente no Mort Safe. Podem ser o comentário aqui.


Não Ficção:

História da Morte de Douglas J. Davies pela Teorema.

"A morte é um assunto de interesse permanente em todas as culturas do mundo. O próprio acto de morrer e os rituais que o rodeiam são extremamente variados e projectam uma luz fascinante sobre as culturas de que fazem parte. Douglas J. Davies, internacionalmente conhecido como um dos maiores especialistas neste campo da história, aborda alguns dos aspectos mais significativos da morte - o acto da própria morte em si, o luto, os funerais, as interpretações artísticas da morte, os memoriais, o medo da morte e os desastres/tragédias - e analisa-os numa abrangente história acerca das diferentes atitudes do homem perante a morte."

Sobre a História da Morte no Ocidente de Philippe Ariès pela Teorema.

"A seguir à história da família, Philippe Ariès consagrou as suas pesquisas à história das atitudes do homem ocidental perante a morte. O que este historiador nos apresente aqui constitui o essencial das suas descobertas: como se passou, lenta mas progressivamente, da morte familiar, «domesticada» (na Idade Média), para a morte repelida, maldita, «interdita» (hoje em dia). Fugir da morte é a tentação do Ocidente."

28.4.11

Simbologia: Profissões - Clero

Uma das vertentes de simbologia funerária mais comum nos nossos cemitérios está associada à simbologia profissional que, durante muito tempo, foi adoptada como indicador do ramo de negócio da família ou individuo a quem pertencia o jazigo.

Uma das áreas mais facilmente reconhecíveis nos nossos cemitérios é o clero.

Para além de existirem talhões privados para determinadas ordens, ou a utilização de simbologia especifica, como determinados tipos de cruzes ou outros elementos decorativos, é bastante comum a representação da Bíblia (utilizando para isso um livro, normalmente fechado) e da estola.

Em alguns casos, a Bíblia e a Estola aparecem acompanhadas pelo barrete clerical ou pelo gallero cardinalício.


19.4.11

Fernão Teles de Meneses Desemparedado

No rescaldo da visualização do documentário A Cidade dos Mortos, que nos apresenta a realidade de um milhão de habitantes do Cairo, que vive entre os mortos no maior cemitério da cidade, acabei por encontrar uma notícia curiosa: em Lisboa, em meados do século XX, um funcionário da Universidade de Lisboa partilhava o quarto com Fernão Teles de Meneses, ou, melhor, com o seu túmulo.

Fernão Teles de Meneses (Α:1530 - Ω:1605) foi o 28º Governador da Índia. Quando morreu, Maria de Noronha, sua esposa, mandou construir um magnifico túmulo, em mármore rosa e assente em majestosos elefantes indianos, esculpidos em mármore negro.
Seguindo as indicações deixadas em testamento, o túmulo de Teles de Meneses foi levado para a igreja do Noviciado da Cotovia, construído na antiga Quinta do Monte Olivete, por ele doada à Ordem dos Jesuítas, em 1598.

No século XVIII, o Marquês de Pombal expulsou os jesuítas e transformou o Noviciado da Cotovia no Colégio dos Nobres, mas o túmulo de Teles de Meneses foi deixado no seu lugar.

É apenas em meados do século XIX, quando o Colégio dos Nobres se transforma na Escola Politécnica, e as obras e objectos que se encontravam na igreja se dispersam, que o enorme e pesado túmulo de Teles de Meneses acaba por ser deixado num canto das cavalariças.

Mais tarde, as cavalariças foram adaptadas e transformadas em residências para os funcionários da Faculdade de Ciências, mas o túmulo continuou no mesmo local, passando a fazer parte de uma dessas residências: um dos novos moradores partilhou um quarto com os restos mortais de Teles de Meneses.

Esta era uma situação desagradável, que o funcionário reportou repetidas vezes por escrito à direcção da Faculdade, pedido que o túmulo fosse removido.
Aparentemente, a direcção nunca encetou nenhuma acção de despejo a Teles de Meneses e o funcionário remediou-se, construindo uma parede de tabique em frente ao túmulo, emparedando-o - ao melhor estilo de uma história de Edgar Allan Poe.
Isto aconteceu em 1954.

No passado dia 9 de Abril, no âmbito da celebração do centenário da Universidade de Lisboa, e considerando que a residência se encontra já desabitada, foi levado a cabo o desemparedamento do túmulo; do qual existia apenas um desenho e que ninguém via há mais de 50 anos.

O túmulo encontra-se em excelente estado de conservação e irá ser limpo e recuperado, de modo a vir a ocupar um local de destaque, à entrada do Museu Nacional de História Natural.

O túmulo tem uma forma piramidal que invoca as formas dos túmulos Egípcios ou Hindus - o que não surpreende, considerando a biografia de Teles de Meneses.
Os elefantes têm diferentes significados, mas num contexto funerário considera-se que representam longevidade, prosperidade, eternidade e felicidade.
Actualmente, são muitas vezes utilizados para marcar os túmulos de exploradores e aventureiros; um significado que poderá ter origem em túmulos como este, de homens que, com efeito, viajaram para locais longínquos e exóticos, e que, ao regressarem, trouxeram consigo este tipo de simbologia.

No extenso e bem conservado epitáfio do túmulo pode ler-se:
Aqui jaz Fernão Teles de Meneses filho de Bras Teles de Meneses, Camareyro mor e Guarda mor e Capitão dos Ginetes, q foi do Iffãte D. Luis, e de D. Catarina de Brito sua molher, o qual foy do Cõselho do Estado D`El Rey nosso Sõr. E governou os Estados da India e o Reyno do Algarve e foy Regedor da justiça da casa da suplicação e Presidente do Conselho da India e partes ultramarinas. E a sua molher D. Maria de Noronha filha de D. Frãcisco de Faro Vedor da fazenda dos Reys D. Sebastião e D. Anrique, e de D. Mesia de Albuquerque sua primeyra molher: os quais fundaram e dotarão esta casa da Provação da Compª de Jesu, e tomarão esta Capella mor pêra seu iazigo. Falleceo Fernão Teles de Mñs a XXVI. De Novº de M.D.C.V. e de Mª de Nr. A VII de Março de MDCXXIII.
É uma excelente iniciativa, a do desemparedamento, recuperação e exposição desta peça de arte funerária portuguesa, que, sem dúvida, vai enriquecer o acervo do museu.

Podem ler artigos sobre o desemparedamento no blog Smobile (escrito por uma das pessoas que esteve presente na cerimónia, no dia 9 de Abril) e no blog SOS Lisboa.



18.4.11

A Cidade dos Mortos - Comentário

Já tive oportunidade de assistir ao documentário A Cidade dos Mortos e à curta-metragem Waiting For Paradise do realizador Sérgio Tréfaut.

A sessão a que assisti foi especial, uma vez que no final da projecção o realizador - presente na sessão - disponibilizou-se para responder a questões apresentadas pela audiência, fazendo ainda uma interessante introdução em que apresentou alguns pontos que não são focados no documentário.

A minha primeira nota vai para a questão fundamental do filme: o cenário é um cemitério, mas é difícil para nós, ocidentais, perceber isso. A simbologia funerária a que estamos habituados tem uma raiz claramente cristã, onde existem anjos, cruzes e uma arquitectura bastante homogénea, apesar da sua diversidade.
Quando olhamos para uma imagem que representa um cemitério de raiz cristã conseguimos rapidamente identificá-lo enquanto tal.
Isto não se passa com el arafa*, uma vez que este é um cemitério de raiz islâmica e a simbologia é diferente.
Em tons maioritariamente ocres, vemos ruas e casas e pessoas.
A única peça que conseguimos identificar como sendo funerária, pelo nosso padrão ocidental, são algumas campas isoladas, pintadas em matizes azuis, verdes, amarelos ou brancos; tons pastel que pouco se destacam no mar de pó.

Devido às necessidades religiosas, os mausoléus são construidos com câmaras onde as pessoas podem pernoitar e são essas câmaras que os donos alugam ou cedem gratuitamente a desalojados, que acabam por habitá-las de forma permanente.

Em algumas das casas vemos sofás, armários, televisões, cozinhas quase completas... É difícil distinguirmos entre estas residências e as que encontramos em bairros pobres. As "comodidades" que vemos são até muitas. Confesso que esperava uma pobreza bem mais acentuada.
A meio do documentário vemos um vendedor ambulante, com o seu carro, passear pelas ruas, anunciando "leite, natas, bolos e arroz doce".
E os miúdos aparecem e pedem bolos às mães, que os compram e aproveitam para dizer mal das vizinhas e criticar as praticas alheias.

Talvez por não nos ser possível identificar a simbologia ou perceber as mensagens escritas nas paredes, o facto do espaço ser um cemitério tem pouca importância.

Há alguns anos, vi um documentário sobre a mesma temática: pessoas que habitam em cemitérios. Nesse caso, num cemitério Filipino; provavelmente, em Manila. As pessoas que moravam no cemitério eram, com efeito, os mais pobres dos pobres.
Não tinham mobiliário ou qualquer tipo de conforto e dormiam dentro dos mausoléus, sobre as campas, cobertos por panos. Num dos casos, a única coisa que tinham para cobrir-se era uma faixa publicitária de um partido político (ou de uma marca publicitária, nem sei).
Ninguém se sentava à mesa para comer, porque não havia mesa: comiam em pratos lascados, pousados sobre as campas.
Eram todos magros e tristes.
As crianças brincavam entre o pó, fazendo rolar crânios desenterrados, e o narrador explicava que o cheiro a cadáveres em decomposição era nauseante.
Claro que a simbologia funerária era cristã e, por isso, mais interpretável aos nossos olhos, mas não foi esse o factor que mais me impressionou.

Esta não é a realidade do Cairo.

O documentário A Cidade dos Mortos é muito interessante e permite-nos ver um pouco do dia-a-dia das famílias que habitam aquele espaço mas, apesar de tudo, é simples esquecermos que se trata de um cemitério.
Seria importante, ainda assim, explicar as diferenças entre os habitantes desse espaço e os outros bairros pobres do Cairo, perceber como é que alguns deles têm luz e água, ou qual é o nível de (in)dependência de quem vive ali, relativamente ao exterior.

No final, ficamos com a sensação que muito ficou por dizer.
Gostaria ainda de ter visto o impacto da chegada de um funeral; não a própria celebração fúnebre - algo que, em si, não se relaciona com a abordagem deste filme -, mas as alterações à rotina que isso provoca: gente a esvaziar e a limpar os mausoléus, antes das chegadas das famílias, por exemplo.

É clara a importância do casamento para aquelas famílias, mas julgo que esse é um factor comum a todos os habitantes do Cairo, do Egipto, de outros locais com culturas semelhantes. No final, a curta-metragem permite-nos assistir ao desenrolar de um casamento no espaço do cemitério: desde a preparação até ao final da boda.

De qualquer das formas, este é um trabalho muito interessante que está a passar nas nossas salas de cinema e que não devem deixar de ver.


Imagens 1 e 2 - Cairo, Egipto.
Imagens 3 e 4 - Manila, Filipinas


* el arafa significa literalmente o cemitério.

15.4.11

Museu Nacional de História Funerária

Uma coisa que não falta nos Estados Unidos da América são museus. Eles têm museus de quase tudo e, no estado do Texas, têm um museu que é uma das atracções obrigatórias para os tafófilos de visita: o National Museum of Funeral History.

Com a apelativa divisa Any Day Above Ground Is A Good One o museu foi criado no inicio dos anos '90 com o objectivo de preservar a história da industria funerária.

O museu tem um conjunto diversificado de artefactos que compõem a sua colecção permanente e apresenta ainda um conjunto de exposições interessantes, das quais se destaca uma Fábrica de Caixões de 1900 (com uma pequena apresentação online), as celebrações do Dia dos Mortos, explicando quais os objectos que lhe estão associados e a sua motivação/simbologia, as origens do hábito americano de embalsamar cadáveres, uma colecção de caixões de fantasia (entre o kitsch e o estranho) onde os esquifes estão esculpidos em forma de galinha, carro, peixe, caranguejo, etc.

Para além de tudo isto, é ainda possível comprar canecas e t-shirts, replicas em miniatura das carretas funerárias em exposição, livros temáticos, etc., na loja do museu (e na loja online).

Quem estiver a pensar visitar o Texas, pode incluir este museu na sua lista de locais a visitar.


13.4.11

Morte Magnifica

The cemetery photographs by David Robinson are filled with mystery, melancholy, sly humor, irony, hushed grief, the peace of final silences, sometimes a throttled anger at the fact of mortality, and evena strange wistfulness, but they successfully avoid fulfilling any of the usual expectations to which the subject matter might give rise.
Dean Koontz, Beautiful Death

As palavras anteriores são do escritor Dean Koontz e fazem parte da introdução ao livro de fotografia cemiterial Beautiful Death do fotografo David Robinson.

Beautiful Death é uma belíssima compilação de fotografias tiradas em vários cemitérios da Europa, incluindo Portugal.

Segundo o autor, o livro nasceu na primeira visita que este fez ao Cemitério de Père Lachaise.
A beleza e impacto visual do local deixaram o autor completamente apaixonado e, tendo posteriormente vivido alguns anos em Paris, Père Lachaise passou a ser um dos seus locais preferidos.

Se procurarmos um tema por detrás deste livro-álbum - para além do cemitério, enquanto local de fundo - podemos dizer que este será, talvez, a diversidade.
Contendo imagens de cemitérios em França, Inglaterra, República Checa, Espanha, Portugal e Itália, o autor consegue apresentar uma selecção ampla, explorando as diferentes formas de celebrar a Morte e os mortos.

De Portugal, aparecem apenas cinco imagens, de cemitérios no Redondo e Vila Viçosa. As imagens exploram os pequenos altares de memórias, construidos pelos vivos, contendo fotografias, flores e pequenas recordações, resguardados por detrás de um vidro que os protege da passagem do tempo.

Em Itália, exploram-se as estátuas de bronze negro e verde e os belíssimos retratos pintados no esmalte que representam os falecidos.

A grande maioria das fotografias dizem respeito a França, em especial aos cemitérios de Paris e são realmente bonitas.

Publicado em 1996, Beautiful Death é um trabalho imperdível de David Robinson.


8.4.11

Aurora (documentário)



Gravado no Cemitério de Budapeste em 2010, este documentário de homenagem é da autoria de Catarina Carrola com câmara de Rui Madruga.

7.4.11

Monumentos Memoráveis: Jazigo Parpaglioni

No cemitério lisboeta dos Prazeres encontra-se uma estátua belíssima, onde um anjo de braços abertos se eleva no ar, em direcção ao Paraíso, levando consigo uma jovem rapariga de cabelos ao vento, cruz ao peito, mãos cruzadas sobre o colo e expressão de êxtase no rosto.

Esta estátua, magnifica, não é única.

O original (de título desconhecido) está no Cemitério Monumentale di Stagieno em Génova e foi esculpida por Frederico Fabiani (Α:1835 - Ω:1914) em 1884.

A morte inesperada e trágica da filha de Luigi Parpaglioni, um rico mercador da Lombardia, levo-o a encomendar um trabalho onde um anjo acompanhasse o espírito da sua filha a caminho do Céu.
O escultor Fabiani, apesar de actualmente ser pouco conhecido, foi um escultor bastante famoso nos anos oitenta do século XIX, chegando mesmo a mudar-se para a América do Sul para responder às muitas encomendas.

Este foi um dos trabalhos de arte cemiterial que ajudou a popularizar a mistura do religioso com o sensual, como na peça L'amore degli Angeli de Giulio Bergonzoli.

Para além do original, em Génova, e da réplica portuguesa no Cemitério dos Prazeres, é ainda possível encontrar outra réplica no Cemitério de Poble Nou em Barcelona.


5.4.11

Epitáfios

Epitáfio é o nome que se dá aos textos que acompanham os túmulos, deixando mensagens para os vivos ou homenageando os mortos.
Tem origem na palavra grega epitafos, onde epi significa "sobre" e tafos significa "túmulo".



Cemitério do Alto de São João, Lisboa, Portugal.


4.4.11

Simbologia: Papoila

Sendo uma das mais comuns representações de plantas nos nossos cemitérios - assim como as perpétuas e as saudades - as papoilas dormideiras são facilmente identificadas, mesmo quando introduzidas em composições com outros elementos, graças à sua forma bolbosa e gomada, coroada com um anel zigzagueante.

Se considerarmos que o aparecimento dos cemitérios coincidiu com uma época em que o consumo de ópio e derivados opiáceos era comum, percebemos que símbolo da papoila era de fácil leitura para os coevos.

Assim, devido às propriedades narcóticas do ópio, a papoila dormideira - como é conhecida em Portugal - é associada com o Sono, a Morte e Morfeu, o deus grego dos Sonhos. Recorde-se que uma das substâncias extraídas do ópio é a morfina, nome que deriva da associação ao deus Morfeu. Noutros contextos - e, mais uma vez se refere que a interpretação de símbolos tem sempre de ser contextualizada - a papoila pode ser associada à extravagância e ignorância.

No contexto funerário, o seu significado mais óbvio é o do Sono Eterno, da Morte Pacífica.

3.4.11

Jazigo dos Duques de Palmela - III

Fica no cemitério lisboeta dos Prazeres o maior jazigo privado da Europa. Iniciada a sua construção em 1846 e terminado em 1849, foi desenhado pelo arquitecto maçon Giuseppe Cinátti, segundo instruções de Pedro de Holstein (Α:1781 - Ω:1850), o primeiro duque de Palmela.

Inicialmente, o espaço reservado aos Palmela - familiares no interior do jazigo e seus empregados no pequeno jardim de acesso, inumados entre os frondosos ciprestes - situava-se no exterior do cemitério, em jeito de cemitério privado.
Provavelmente, as mesmas leis que obrigaram as ordens religiosas do Porto a fechar os seus cemitérios privados, e a comprar talhões dentro de Agramonte e Prado do Repouso, acabaram por levar os duques de Palmela a doar terreno à Câmara Municipal de Lisboa, de forma a garantir a integração do Jazigo Palmela no interior do contíguo Cemitério dos Prazeres. Em suma: mais do que passarem para o interior, os duques de Palmela conseguiram que o cemitério crescesse para junto deles.

Aparentemente imbuído de simbologia maçónica, o Jazigo Palmela tem a forma de uma enorme pirâmide - durante o século XIX, o revivalismo egípcio varreu toda a Europa (e América do Norte) não sendo de descartar o impacto que ele também teve na concepção do jazigo - assente sobre um cubo (se pensarmos no espaço ocupado pela cripta subterrânea).
Mas esta não é uma pirâmide perfeita: é uma pirâmide inacabada. O topo não termina num vértice - união das quatro faces, das quatro arestas - mas numa nova face, paralela à base da pirâmide. Recorde-se que uma das lendas maçónicas conta que o Mestre Hiram Abiff, responsável pela construção do Templo de Salomão, foi assassinado antes de completar a obra, deixando o templo inacabado.

Nessa face, no lugar onde é usual colocar-se uma Pedra Benben para concluir a pirâmide (ou o obelisco), encontra-se uma estátua, que alguns autores atribuem a Calmels.
Essa estátua é uma figura feminina, várias vezes identificada como sendo o Anjo da Morte ou da Boa Morte (dependendo dos autores consultados...), e é, provavelmente, uma das Sete Virtudes: neste caso a Fé, representada como sendo uma mulher carregando uma cruz.
É ainda de nota que a estátua agarra um livro e um conjunto de chaves: simbologia atribuída a S. Pedro, a quem Cristo entregou as Chaves do Paraíso.
Não deixa de ser curioso que, desta forma, a pirâmide do Jazigo Palmela acabe por ser rematada com uma cruz, o que acontece com todos os obeliscos de Roma, que a mando do Papa Sisto V, no século XVI, foram exorcizados de todos os demónios e purificados da sua simbologia maldita pelo acrescento dessas cruzes.

A magnifica construção ergue-se a Oriente, ocupando o último terço do espaço do talhão rectangular, de cota mais elevada do que os terrenos e construções que o rodeiam, limitado por um gradeamento de metal, constituído por peças repetidas em conjuntos de três, onde no centro de cada um se pode ver uma cabeça de leão (outro símbolo solar de inspiração maçónica).

Sete são os degraus que permitem chegar até ao portão. O número 7 é um dos três números mais importantes para a maçonaria; são eles o 3, o 5 e o 7; referências numerológicas aos três graus simbólicos de Aprendiz, Companheiro e Mestre.
Estes sete degraus representam ainda as sete Artes Liberais, que compunham o plano de estudos medieval, as sete idades do homem ou as Sete Virtudes Cardeais que conduzem ao auto-conhecimento, auto-domínio e auto-enobrecimento.

Entre o portão, que separa o talhão dos Palmela do restante cemitério, e os cinco degraus que dão acesso ao patamar de entrada no Jazigo, estende-se um tapete de irregulares pedras pretas e brancas, compondo doze losangos: certos autores especulam que o proverbial Templo de Salomão também apresentava pavimentos ou motivos decorativos formados pelo contraste de formas geométricas pretas e brancas, pelo que, ainda hoje, uma quadrícula de mosaicos brancos e pretos é o padrão comum do chão de muitos templos maçónicos.

Ladeando a passadeira preta e branca estão enterrados os empregados da família Palmela: mulheres do lado Norte e homens do lado Sul. Existem duas mulheres enterradas do lado Sul, todavia: talvez por desconhecimento do preceito maçónico que, inicialmente, assim distribuiu os lugares dos mortos; já que, na tradição maçónica regular, o Norte é a orientação reservada àqueles que ainda não capazes de ver a Luz, posto que o Sol, na sua trajectória de Oriente para Ocidente, não brilha no Norte. À vista disso, é frequente as lojas maçónicas não terem quaisquer janelas viradas para Norte.

No interior do Jazigo somos recebidos por um magnifico trabalho do celebrado Canova, talhado em mármore de Carrara: é o cenotáfio do 1º Duque de Palmela que, como já referimos, se encontra enterrado em Roma.

No centro da capela, iluminadas pela luz que entra por duas janelas, um par de magnificas peças escultóricas de Teixeira Lopes tomam conta do espaço, construidas por ordem do 3º Duque de Palmela.
Uma dessas peça tem um cunho claramente inacabado, mostrando mãos pesadas, grossas e pouco trabalhadas, numa figura feminina de traços perfeitos. São várias as interpretações que essas mãos inacabadas suscitam: há quem considere que ficaram propositadamente inacabadas e há quem defenda que o autor não conseguiu concluí-las.
Considerando a qualidade e beleza de toda a peça, mais a minúcia com que estão trabalhadas as mãos das restantes personagens, tenho dificuldade em acreditar que Lopes deixasse esta imperfeição de modo intencional, mas Moita Flores, por exemplo, no livro Cemitérios de Lisboa: Entre o Real e o Imaginário, justifica-a com base na morte do escultor.

Antes de descer à cripta é possível observar um trabalho de Célestin Calmels capaz de tirar a respiração. Outra figura feminina, ao lado do pequeno altar da capela carregado de castiçais dourados e um Bíblia aberta, está uma porta fechada onde uma perfeita mulher de mármore parece carpir a morte do jovem filho da Duquesa de Palmela.
O drapeado da túnica que envolve a mulher é fluido e parece capaz de se mover com o nosso toque.

Descidos os três degraus que nos conduzem à câmara principal da cripta, aguarda-nos um espaço pequeno, que um tecto amarelo torrado com inúmeras papoilas dormideiras pintadas a azul - símbolo do sono eterno, da eternidade - faz parecer ainda mais pequeno. Em redor dessa câmara, abre-se um corredor que a contorna, apresentado doze nichos rasgados na pedra que conservam os caixões que contém os restos mortais da família Palmela.

Visitar o Jazigo Palmela é uma experiência única. Recomenda-se vivamente.




Imagens: Jazigo dos Duques de Palmela II

José Joaquim Teixeira Lopes (Α:1837 - Ω:1918)


Imagens: Jazigo dos Duques de Palmela I

Célestin Anatole Calmels (Α:1822 - Ω:1906)


1.4.11

Jóias de Luto do Século XXI

Como já aqui falámos, durante o século XIX a joalharia de luto era uma realidade. Construída como objecto de memória, recordando os mortos com recurso à simbologia ou utilizando madeixas de cabelo dos falecidos, era indispensável na celebração do luto na época vitoriana.
Apesar de ter sido muito comum nessa altura - e prova disso é a quantidade e diversidade de artefactos que chegaram até aos nossos dias - a produção de jóias de luto perdeu-se com a chegada do século XX, resultado de uma forma completamente diferente de vivênciar a Morte.

No século XXI esta prática regressou num novo formato - menos óbvio - onde os restos mortais resultantes da cremação dos cadáveres podem ser utilizados como base carbónica para a produção de diamantes sintéticos.
Este é uma das formas, não de eliminação de cadáver, como também já falámos antes, mas sim um forma de tratamento de parte as cinzas resultantes da cremação.

Até há pouco tempo pensei que esta prática estivesse ainda restrita à América, onde apareceu, mas aparentemente também por cá é já possível guardar a memória dos nossos entes queridos numa dessas pedras eternas, uma vez que a agência Servilusa já disponibiliza este serviço.
Neste caso, e tal como na joalharia de luto do século XIX, a matéria prima são apenas madeixas de cabelo.

O processo de sintetização destes diamantes é curioso e a LifeGem descreve-o.
Aparentemente, durante o processo de cremação, o carbono existente nas cinzas é captado sobre a forma de um pó escuro, que posteriormente aquecido para criar grafite. Essa grafite é tratada em laboratório e utilizada na sintetização dos diamantes.

Segundo a LifeGem, a captação de carbono durante o processo de cremação não impede a produção de cinzas (cremains) e de um mesmo cadáver podem fazer-se diversas pedras. Também os animais de estimação podem ter este tratamento.

Sem dúvida, estamos perante joalharia de luto do século XXI.