26.2.11

Quatro Lendas Urbanas do Século XVIII


To be buried while alive is, beyond question, the most terrific of these extremes which has ever fallen to the lot of mere mortality. That it has frequently, very frequently, so fallen will scarcely be denied by those who think. The boundaries which divide Life from Death are at best shadowy and vague. Who shall say where the one ends, and where the other begins? We know that there are diseases in which occur total cessations of all the apparent functions of vitality, and yet in which these cessations are merely suspensions, properly so called. They are only temporary pauses in the incomprehensible mechanism. A certain period elapses, and some unseen mysterious principle again sets in motion the magic pinions and the wizard wheels. The silver cord was not for ever loosed, nor the golden bowl irreparably broken. But where, meantime, was the soul?
Edgar Allan Poe, The Premature Burial

Apesar de Edgar Allan Poe ter sido um génio criativo com uma imaginação delirante não foi ele quem inventou o pavor humano de se ser enterrado vivo.
Escreveu sobre ele, é certo, e fê-lo repetidas vezes - sempre causando um arrepio na espinha dos leitores - mas antes já havia quem redigisse testamentos capazes de garantir que nenhum herdeiro apressado aproveitava um episódio de catalepsia ou coma para tomar posse da herança, enterrando vivos pais, tios e outros parentes.
Na Europa do século XVIII eram numerosas as histórias que sobre enterramentos prematuros: umas com finais felizes e outras nem por isso.
Estas histórias podem ser divididas em quatro grandes grupos, existindo algumas variações da matriz, em certos detalhes, mas não fugindo da linha principal:
  • A Dama do Anel;
  • Os Jovens Amantes;
  • O Monge Lascivo;
  • O Anatomista Descuidado;
Em quase todas é possível encontrar relatos onde são mencionadas pessoas reais, mas em que, de país para país, se mudam os protagonistas.


A Dama do Anel

Talvez a mais famosa e mais variada das quatro, esta lenda urbana consegue ser rastreada até à Alemanha, apesar de aparecerem versões em que ela se passa em Inglaterra, Irlanda, Suécia, etc.

Uma senhora rica, tendo falecido de forma repentina, é levada para a cripta da família, onde é depositada estando trajada com o seu mais belo vestido, embelezada pelas suas criadas, que lhe arranjaram os cabelos e lhe colocaram as jóias favoritas; entre elas, um sumptuoso e ostensivo anel.
As portas fecham-se, a noite cai e um sacristão ganancioso entra de mansinho para roubar as jóias do cadáver. Incapaz de retirar o anel do dedo inchado da senhora, o sacristão puxa de uma faca e tenta cortar o dedo para poder levar o anel.
A dor causada pelo rude golpe é tal que a mulher, não estando efectivamente morta, desperta do torpor profundo em que caíra e, dando um grito, senta-se no caixão.
Com o susto, acreditando que a ressurreição do cadáver é obra divina, o pecador sacristão cai morto no chão.
A mulher, assustada, envolta na sua mortalha faz o caminho de regresso a casa, sem perceber o que lhe aconteceu. Bate à porta e vê-se confrontada pelo marido e restante família que, julgando-a morta, pensa tratar-se de um fantasma, de um truque do demónio e recusa-se a franquear-lhe a porta e ceder-lhe entrada.


Os Jovens Amantes

Esta também é uma história que aparece relatada em diversas fontes, sempre apresentando o caso como real, enunciando até as famílias a que pertenciam os jovens amantes.

Impedida de casar por amor, obrigada pelos pais a casar com um nobre rico, mas velho, uma jovem donzela acaba por morrer de desgosto, sendo inumada na capela da família.
Durante a noite, o amante abandonado entra na capela para um último adeus e acaba por encontrar a sua amada ainda viva, acabada de acordar dentro do caixão.
Receosos de serem descobertos e perseguidos pelo noivo indesejado, os jovens amantes partem para outra cidade onde se apresentam com outro nome e podem assim viver em paz.
Alguns dias depois, ao visitar a capela, os pais e o noivo da jovem encontram o caixão aberto e vazio.


O Monge Lascivo

Uma das histórias mais elaboradas diz respeito a um monge necrófilo.

A caminho do convento, um jovem monge toma abrigo numa taberna e é confrontado com o luto profundo do estalajadeiro, que vela a jovem filha morta numa dos aposentos do estabelecimento.
Choroso, o taberneiro pede ao monge que reze pela alma da filha, deixando-o sozinho com o cadáver.
O monge, encantado com a beleza da rapariga, acaba por violar o cadáver, partindo apressadamente na manhã seguinte.
Antes de enterrarem a jovem, o pai percebe que esta ainda respira e pouco depois ela é reanimada. Mais tarde, sem ter conhecimento do que se passou com o monge, a jovem dá conta que espera uma criança.
Meses depois, o monge regressa à estalagem, onde encontra a rapariga viva e com um filho nos braços. Confessando ao estalajadeiro a sua indiscrição durante o velório, o monge acaba por abandonar o hábito e casar com a rapariga.


O Anatomista Descuidado

Apesar de inicialmente esta lenda estar associada a um anatomista em especial, o reputado Andreas Vesalius, rapidamente foi difundida, variando o anatomista e a nacionalidade da paciente.

Originalmente, conta-se que Vesalius foi consultado por uma paciente espanhola que lhe disse estar a sentir-se mal, apresentado um estranho quadro de sintomas. Antes que o médico fosse capaz de identificar a maleita e tentar curar a paciente, esta morreu. Intrigado, o anatomista serviu-se da sua reputação para convencer a família a permitir-lhe efectuar uma autópsia.
Rodeando a mesa de dissecação, toda a família foi surpreendida pelo coração batente do cadáver, percebendo assim que esta estava a ser autopsiada viva, e assistindo ainda, impotentes, aos últimos batimentos cardíacos e a grito lancinante que cortou o ar, antes da doente espanhola falecer definitivamente.

Este mito urbano assombrou os anatomistas do século XVIII e XIX que, apesar de preferirem sempre um corpo fresco, não pretendiam dissecar um tão fresco ao ponto de ainda estar vivo.

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