As Pedreiras de Paris
Paris é uma cidade luminosa e sem complexos, que assume os seus mortos e os promove como atracções turísticas de qualidade, sem vergonha ou hesitações.
As catacumbas de Paris são uma dessas atracções turísticas, tal como os cemitérios: Père Lachaise, Montmartre, Montparnasse e, em menor dimensão mas não menor interesse, Passy, o mais recente dos quatro.
A enorme rede de túneis sob Paris não nasceu para ser o ossário da cidade, guardando carinhosamente as ossadas de cerca de seis milhões de Parisienses, anteriormente enterrados nos cerca de duzentos pequenos cemitérios por toda a cidade.
Na realidade, as galerias subterrâneas que formam as catacumbas foram sendo lentamente construídas, durante séculos, por desbaste da rocha calcária que serve de base à cidade, consumida como matéria prima nas construções à superfície. Os romanos tinham enormes pedreiras a céu aberto, afastadas centro de Lutécia (Paris nos tempos Romanos). Através dos tempos, o calcário continuou a ser usado na construção de edifícios, ano após ano, mas com os veios a serem explorados por meio de túneis, a cerca de vinte metros de profundidade.
Como toupeiras, os mineiros cavavam galerias estreitas que iam secando de pedra e alargando, para depois as abandonar, seguindo outro veio de rocha quando aquele falhava. Alguns dos túneis abandonados foram tapados com cascalho, outros não. A rede subterrânea de túneis e passagens foi aumentando de forma irregular e sem plano, criando labirintos escavados na rocha, em direcção ao coração da cidade. De igual forma, Paris foi crescendo, à superfície. Algures no tempo, a cidade sobrepôs-se ao túneis calcários, que continuaram a ser escavados nas suas entranhas.
No século XVIII, em 1774, a cidade apanha um grande susto: uma derrocada num túnel abandonado engole a Rue d'Enfer (Rua do Inferno), deixando apenas um buraco e escombros. A este primeiro desabamento seguem-se outros, engolindo edifícios, pessoas, animais, deixando a população em pânico e assustada.
Imagens de demónios das profundezas tragando a cidade nascem na imaginação dos Parisienses e espalham o histerismo.
O rei encomenda estudos que revelam a verdade temida: os túneis das pedreiras de Paris são extensos, instáveis e não existem planos de mitigação de risco.
E é assim que no ano de 1776 se vê nascer um novo serviço na cidade, a inspecção das pedreiras - Inspection des Carrières - que tem como missão inspeccionar, reparar e mapear as pedreiras abandonadas.
Ao mesmo tempo, Paris viu-se a braços com outro problema derivado do crescimento da cidade, igualmente difícil e também capaz de alimentar as imaginações mais impressionáveis: os cemitérios da cidade estavam sobrelotados.
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